INTRODUÇÃO
O Sistema Único de Saúde (SUS), desde sua implantação vem subsidiando políticas que desenvolvem ações de saúde específicas para determinados grupos1. Em 2008 o Ministério da Saúde (MS) criou a Política Nacional de Atenção Integral a Saúde do Homem (PNAISH), regulamentada em 20091,2 com o objetivo de promover, prevenir, tratar e reabilitar a educação em saúde, planejar, formular estratégias e prestação de serviços promovendo ações que orientem a saúde do homem, com a finalidade de melhorar as condições para esta população, ampliando o seu acesso à atenção básica3.
Destaca-se que, por questões culturais, os homens tendem a acreditar que são mais resistentes a doenças e, observa-se que os mesmos têm dificuldades para manifestar e expor suas necessidades no que tange ao cuidado com à saúde onde, na maioria das vezes, prefere esconder suas fraquezas e considerar que a prevenção da saúde não faz parte das ações masculinas, utilizando-se do pretexto que saúde não é um critério relevante em suas vidas4.
Por muito tempo a saúde do homem passou despercebida por gestores e por profissionais de saúde que prestam atendimento na Atenção Primaria a Saúde (APS), em especial nas questões relacionadas a cultura, por entendimento de que o homem não necessita de muitas ações de promoção de saúde, de prevenção dos agravos e por adoecimento5,6.
Portanto, a saúde do homem, até a implantação da PNAISH, não era prioridade nas ações de saúde em todos os níveis de atenção, sendo uma temática pouco descrita e abordada por pesquisas e estudos científicos, comparada a temas relacionados, por exemplo, a saúde da mulher. No entanto, destaca-se que, alguns estudos já trazem a comprovação que os homens são mais vulneráveis a algumas patologias e falecem muito mais cedo do que as mulheres7.
Neste contexto a PNAISH alinhada ao conjunto de políticas de saúde que direcionam ações na atenção básica, com prioridade na Estratégia Saúde da Família (ESF) e ainda, atrelada a Política Nacional de Humanização (PNH)8, traz à tona a necessidade de ações e serviços para os cuidados integrais a saúde do indivíduo, sendo essa cada vez mais qualificada, em especial à saúde do homem9,10.
Por outro lado, no momento em que é debatido a promoção da saúde do homem, perante a PNAISH, existem vários impasses para o êxito das ações dos enfermeiros da ESF, que ocorre em consequência de um sistema que ainda fragmenta o cuidado e, por este motivo, dificulta a compreensão e ação das equipes na estimulação para a procura dos serviços de saúde, para a promoção da saúde e prevenção de agravos, ocorrendo na maioria das vezes somente procura quando há alguma doença já está instalada9.
Agrava-se esta realidade nas perspectivas dos homens pois, por ser provedor da casa, não podem faltar ao trabalho para irem a busca dos serviços de promoção a saúde e prevenção de agravos, devido à situação económica, e também por causa dos estigmas socioculturais onde o homem deve ser visto como estóico e autossuficiente, de forma a demonstrar conformidade com uma masculinidade idealizada em relação aos serviços de saúde 11,12.
Justifica-se neste cenário, com vistas a identificar e discutir sobre as ações de saúde do homem, estimulando o autocuidado e a adoção da saúde como um direito social básico de cidadania de todos os homens brasileiros tendo como foco suas necessidades e, considerando os pressupostos da PNAISH, questiona-se como está sendo realizada as ações preconizadas por esta política na atenção primária? E para responder a esse questionamento o presente estudo teve como objetivo identificar as atividades realizadas pela atenção primária a saúde voltada à saúde do homem, na perspectiva do usuário.
MATERIAL E MÉTODO
Estudo descritivo-exploratório com abordagem quantitativa, desenvolvido em três Unidades Básica de Saúde (UBS), que foram selecionadas aleatoriamente por estarem localizadas na área urbana, no município de Paranavaí, Paraná, Brasil. Os dados foram coletados no período de dezembro de 2019 a março de 2020. À época da realização deste estudo haviam implantadas 24 equipes da ESF, distribuídas em 18 UBS, o qual possuía população estimada de 89.922 habitantes em 202013. Para a seleção da população do estudo foi utilizada amostragem não probabilística, homens na idade entre 20 e 59 anos, faixa etária alvo da PNAISH.
Foram incluídos como participantes deste estudo homens residentes nas áreas de abrangências das UBS selecionadas para o estudo, idade entre 20 e 59 anos e que buscaram atendimento por procura direta. Excluíram-se aqueles que apresentava dificuldade em compreender as perguntas e não aceitaram assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
A coleta de dados foi feita a partir de um questionário semiestruturado com perguntas abertas e fechadas, objetivas e claras, que possibilitaram conhecer, reunir e classificar informações sobre a amostra estudada e traduzi-las sem interferir em seus resultados. Sendo realizada nas dependências das UBS, em local reservado, após o convite aos indivíduos que aguardavam na sala de espera, conduzido pela pesquisadora principal e empregado conforme a disponibilidade de tempo de cada usuário. Não havia quaisquer tipos de relações estabelecidas previamente entre a pesquisadora e participantes. Antes da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ocorreram as explicações necessárias sobre o estudo, seus objetivos e finalidade.
Para a obtenção dos dados utilizou-se informações sobre os aspectos sociodemográficos, agravos que os levaram a procurar dos serviços de saúde; como ocorreu o atendimento nos serviços que procurou na atenção primária; conhecimento sobre as ações preconizadas na PNAISH e das atividades realizadas nas unidades de saúde; se teve dificuldades para acessar os serviços de saúde, bem como, o porquê de não procurarem os serviços de saúde.
Os resultados foram armazenados e tabulados no Programa Microsoft Excel® versão 2010 e analisadas por meio de estatística descritiva, que consiste em uma análise utilizada para descrever e sintetizar dados. Tais variáveis foram dispostas em frequências absolutas e relativas, expressos sob forma de percentual.
Nos preceitos éticos foi assegurado o sigilo ético das informações colhidas, a voluntariedade participativa de cada um e a possibilidade de desistência por qualquer motivo que considerasse necessário, sem que houvesse qualquer tipo de prejuízo.
O projeto deste estudo foi apreciado pelo Comité de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual do Paraná conforme CAAE n. 12837719.7.0000.9247 e parecer n. 3.448.713 aprovado em 10 de julho de 2019.
RESULTADOS
A amostra deste estudo constitui-se em 58 homens, adscritos nas três UBS, cenários do estudo. Quanto a caracterização dos participantes, predominaram indivíduos na faixa etária entre 50 a 59 anos (43,10%), seguidos por adultos de 20 a 39 anos (39,66%). A religião católica obteve maior prevalência com 58,62%. Quanto a escolaridade, 36,21% dos participantes informaram ter o ensino médio completo. No quesito etnia declarado pelos participantes, 46,55% se consideram brancos, 36,21% pardos e 15,52% pretos (Tabela 1).
Na perspectiva do usuário, quanto ao cuidado/ atenção à sua saúde, 37,9% responderam que procuram a UBS para prevenção à saúde, porém não souberam especificar quais seriam tais ações preventivas realizadas pelo serviço; 8,62% referiram a realizar exames de rotina como método de prevenção e 8,62% mencionaram a vacina como forma de prevenção. Quanto ao conhecimento dos usuários em relação ao Programa Saúde do Homem, a maioria, 70,7%, afirmaram que não possui conhecimento sobre tal e, no que diz respeito a PNAISH, 40 usuários (69,96%) afirmaram não conhecer a política. Destaca-se que 12,06% elegeram o fator falta de tempo como dificuldade encontrada para cuidar da saúde.
A maioria dos participantes afirmou não possuir conhecimento da existência de atividades específicas direcionadas ao homen, 43 (74,2%). Em contrapartida, 42 (72,4%) responderam que participariam dessas atividades e 16 (27,58%) não participariam devido a fatores como falta de tempo, incompatibilidade de horários, não ter interesse e conhecimento. Em relação ao convite realizado pelos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), para consulta no mínimo uma vez ao ano, 33 usuários (56,39%) responderam que recebem o convite em suas visitas (Tabela 2).
Dos 58 homens entrevistados, 48 (82,8%) afirmaram que se sentem à vontade para falar sobre sua saúde, 6 (10,34%) usuários relataram preferência por homens no atendimento, 4 (6,89%) optaram preferência por mulher e 5 (8,62%) não se sentem à vontade devido à timidez. Por fim, 28 (48,3%) entrevistados afirmaram já ter realizado exame de próstata no mínimo uma vez ao ano, 22 (37,8%) não responderam, 2 (3,5%) revelaram não realizar o exame por timidez, 2 (3,5%) ainda não realizaram o exame devido à faixa etária fora da recomendação e 3 (5,1%) não revelaram o motivo (Tabela 2).
DISCUSSÃO
O estudo mostrou o quanto é necessária a implementação de políticas e ações voltadas a saúde do homem, percebe-se que poucos sabem da existência dessas políticas, sendo que a grande maioria tem total desconhecimento da temática abordada. Portanto, os resultados demonstraram que o público masculino não está familiarizado com à PNAISH e suas orientações, há carência de ações de saúde voltadas ao homem que devem e podem ser realizadas pelos profissionais, principalmente da APS14.
Na história das políticas de saúde vivenciadas no Brasil, observa-se que o direito à saúde atinge principalmente as mulheres, as crianças com foco na redução da mortalidade infantil, nos adolescentes e idosos. Assim, os homens foram excluídos das políticas públicas até o surgimento da PNAISH14).
Observa-se que a maioria dos participantes possuem mais de 50 anos de idade, o que pode estar relacionado à procura dos serviços de saúde por esta faixa etária da população adulta/idosa pela maior predisposição a doenças, em especial as crónicas. Em muitos países é possível observar que os homens possuem menos vínculo com os serviços de saúde do que as mulheres, o que acaba em prejudicar a adesão às práticas preventivas15. Isso pode acontecer devido à inúmeros fatores.
Observa-se que o horário de atividade das UBS é uma das causas da baixa procura dos homens pelos serviços. Estudo destaca ainda que, a demora na consulta agendada, timidez, pavor de descobrir doenças, preconceito, escassez de tempo para realizar a consulta, em razão de suas atividades laborais e o machismo que sempre prevaleceu entre os homens, são causas da não presença do homem nos serviços de saúde16.
Ressalta-se que, o planejamento de horários flexíveis para a atenção à saúde do homem pode ser um importante estimulo para reduzir sua ausência nos serviços primários de saúde. O conhecimento mais adequado dos homens sobre a importância de buscar ajuda e cuidados preventivos pode ser uma estratégia para o incentivo maior para sua adesão às ações desenvolvidas na UBS15.
Sabe-se que, no papel de provedor do lar que o homem tende a assumir, o trabalho assume papel de destaque afastando o mesmo do cuidado com sua saúde. Este papel se reforça entre pessoas com baixo nível de escolaridade diante da responsabilidade de trazer o sustento à família15.
Percebe-se que, o vínculo empregatício pode ser motivo para a não procura do usuário por ações de prevenção e cuidado com sua saúde, pois as longas esperas pelo atendimento é realidade nos serviços de saúde. Desse modo, a busca pelos serviços de saúde se concretiza apenas na presença de enfermidades, pois não enxergam suas necessidades preventivas ou se recusam a se submeter à filas de espera17.
Os desafios enfrentados pelos serviços de atenção primária à saúde decorrem de questões culturais machistas que reforçam a noção de que os homens "acham" que não adoecem. O estudo também destacou falta de interesse pessoal e impaciência para esperar pelo atendimento18.
Estudo realizado na Região Metropolitana do Chile, com homens jovens, constatou que eles percebem os serviços de saúde como longínquos de sua realidade, pois políticas públicas são mais voltadas para as mulheres19. Tem-se que, o cuidado deve ser feito de forma a facilitar a adesão dos homens à unidade de saúde, pois muitos homens quando buscam atendimento, querem atendimento individualizado e integral6.
De acordo com as respostas dos usuários, eles acreditam que procuram o serviço de saúde com o objetivo de promover a saúde e prevenir agravos e, afirmam receber convite dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) para realizar consultas. Contudo, este discurso é contraditório pois os mesmos não são capazes de exemplificar que tipo de ações preventivas são oferecidas na APS, o que pode ser consequência da falta de conhecimento dos serviços de saúde ofertadas a este grupo de pessoas, em especial as definidas nas políticas públicas estabelecidas, tal como a PNAISH20.
Neste contexto, os profissionais de enfermagem são responsáveis por abrir caminho entre o homem e os serviços de saúde, pois podem estimular o envolvimento da população masculina no serviço, promovendo o bem-estar e otimizando o autocuidado na prevenção de doenças6. Sabe-se que ainda existe algumas barreiras, como o horário de atendimento, para a inclusão do homem na área de saúde, mas a equipe da atenção primaria deve desenvolver ações permanente para que estas barreiras sejam vencidas21.
O desempenho e atuação dos profissionais de enfermagem deve ser pautada em ações que aumentem a adesão dos homens aos serviços de saúde, minimizando as barreiras que impossibilitam a entrada desse público na APS22.
A equipe da APS tem nos ACS subsidio para diminuir as barreiras entre os homens e a unidade de saúde, pois os mesmos são o elo entre a comunidade e os serviços, facilitando assim o acesso do usuário; entre suas responsabilidades se encontram o dever de atrair os usuários para os serviços, por meio da criação de vínculo, estratégia que torna possível a detecção das necessidades dos mesmos, para que então sejam compartilhadas com a equipe da unidade23.
Verifica-se que, neste contexto de vínculo com a população, o papel do enfermeiro se torna imprescindível dentro da APS, pois a realização de ações de promoção a saúde e prevenção de agravos só é possível com a integração dos membros da equipe, em especial o ACS, e esta atribuição é do enfermeiro como coordenação da APS. Destaca-se também, seu papel como educador em saúde, tanto de sua equipe, para melhor capacitá-la, quanto dos usuários visando orientá-los ao autocuidado23.
Com base nas informações relatadas pelos usuários, observou-se que buscar acolhimento na APS é indicativo de vulnerabilidade, o que fere a masculinidade, equivoco culturalmente mantido até nos dias atuais. Assim, estudos identificaram que ter doença é vergonhoso, e que para buscar atendimento devem ter motivos de doença aguda, principalmente quando sentem dor ou algum tipo de acidente, o que empurra esse segmento populacional a situações de risco24,25.
Destarte às patologias exclusivas ao homem, o câncer de próstata possui a segunda maior taxa de incidência dentro das doenças neoplásicas. Os exames para detecção desta doença estão disponíveis gratuitamente na APS, além de existir uma campanha no mês de novembro totalmente voltada para a detecção precoce da doença. No entanto, como verificou-se neste estudo, a taxa de adesão da população ao exame é baixa devido ao estigma preconceituoso na técnica para a sua realização10.
O estigma da doença é acompanhado por sentimentos de medo ou constrangimento, especificamente por estarem envolvidas as questões da vida sexual do indivíduo26. Em consequência, esse evento pode desencadear episódios de depressão e ansiedade, interferindo diretamente na qualidade de vida do homem que convive com a doença27.
Sabe-se que, a PNAISH, objetiva proporcionar melhores condições de saúde para a população masculina abrangendo sua integralidade, facilitando o acesso deste público aos serviços de saúde na APS de forma igualitária e facilitada2. O que significa ações mais especificas aos cuidados a saúde do homem, flexibilizando horários e desmistificando estigmas, por meio de educação em saúde e maior intensificação das ações preventivas28. APS é de fundamental importância para a população adstrita no território de abrangência da UBS, em especial a masculina, pois a mesma constitui a porta de entrada para o acesso aos serviços de saúde ofertados para a população, disponibilizando serviços com prioridade na promoção e prevenção em saúde, que se estendem desde a detecção, assistência até recuperação de diversas doenças de maneira gratuita, englobando distintos níveis de atenção28.
Limitações encontradas mais significativas contam com a ausência dos homens na APS, ou seja, pela inexorabilidade de atendimento, o excesso de trabalho.
Espera-se que os resultados possam contribuir para o aprimoramento do cuidado a saúde do homem pelos serviços de saúde e, em especial pela enfermagem, por meio da mudança de comportamento e de estratégias que facilitem a inserção do homem nos espaços de saúde, principalmente na APS, contribuindo para que possa abrir novas discussões, repensar as estratégias para melhorar o acolhimento, atendimento e acessibilidade para o homem na atenção básica. Há necessidade de um olhar das equipes multiprofissionais de saúde relacionadas às dificuldades de integração dos homens nos serviços de APS, principalmente com estratégias educativas para superá-las.
CONCLUSÃO
Conclui-se que, em relação ao cuidado com a saúde, uma grande parte dos entrevistados alegaram que procuraram os serviços de saúde, porém muitos não conseguiram especificar quais são as ações preventivas realizadas por esse serviço, o que demonstra a existência de lacunas no conhecimento sobre quais atividades são realizadas na Atenção Primaria a Saúde voltadas à saúde do homem, e consequentemente sua importância na perspectiva do usuário.
Destaca-se, a necessidade de desenvolvimento de atividades especificas direcionadas ao homem, e para isso observa-se a necessidade de educação permanente para os membros das equipes multidisciplinares de saúde, visto que essa serve de subsídio para implementar ações de saúde mais eficazes.
Verifica-se que há necessidade de estudos que identifiquem as ações efetivas que estão sendo realizadas na atenção primária a saúde para atenção integral à saúde do homem, para que possam subsidiar estratégias que estimulem o homem ao cuidado com sua saúde, e estimulem profissionais, gestores a reforçarem a APS como ambiente de produção de cuidado integral.