INTRODUÇÃO
A pandemia da Covid-19, causada por um agente viral denominado de novo coronavírus, em esfera mundial demostrou ser umas das doenças infectocontagiosas mais letais da história no século XXI1.
As evidências científicas revelaram que entre os diferentes países, os grupos de riscos que evoluem para as complicações mais graves da Covid-19, encontram-se as pessoas que apresentam alguma comorbidade preexistente, como, a Diabetes Mellitus, Doenças Respiratórias e as Doenças Cardíacas, na qual, destaca-se a Hipertensão Arterial Sistêmica2-4.
Nesta perspectiva, ressalta-se que os povos indígenas possuem uma diferente susceptibilidade em adquirir a Covid-19, por compartilharem características comuns, como, a pobreza extrema, morbidade e a mortalidade que os tornam sobretudo vulneráveis a esta doença5.
Por outro lado, a sobrecarga pejorativa imposta aos indígenas no período colonial, ainda se faz presente e assolam esses povos tradicionais, através da desigualdade social, econômica e política, entre outros que foram surgindo ao longo do tempo, tais como, as superlotações dos sistemas de saúde local, a fragilidade no acesso aos serviços de saúde, a precariedade na infraestrutura dos serviços disponíveis e a falta de saneamento básico, são fatores que contribuem para a disseminação de doenças, o que pode ocasionar uma provável devastação de várias comunidades tradicionais indígenas6.
Um estudo realizado por Jardim et al.7 menciona que o Subsistema de Atenção aos Povos Indígenas, não teriam uma infraestrutura para enfrentar a pandemia da Covid-19, em virtude, da rotatividade das equipes, as barreiras geográficas, como, a dificuldade de remoção do paciente para uma Unidade de Terapia Intensiva na cidade, a falta de equipamentos, os insumos e leitos para os pacientes internados, são citados como desafios no enfrentamento da Covid-19.
Em tempos de pandemia torna-se necessário a criação de recursos didáticos, que possam orientar os povos tradicionais indígenas sobre a Covid-19 nas aldeias, para que se tenha a promoção de boas práticas na assistência à população, assim como, o combate à desinformação e as notícias falsas minadas dos centros urbanos. À vista disso, faz-se necessário incentivar a criação de metodologias informativas, como a produção de campanhas, cartilhas ou textos informativos e vídeos didáticos para serem disseminados entre os aldeados e desaldeados8.
Desta forma, observa-se a necessidade de conhecer as estratégias de prevenção que os serviços de saúde estão realizando, diante da pandemia da Covid-19. Sabe-se que esses povos originários estão expostos à vários perigos que implicam a sua existência e preservação, assim, é imprescindível refletirmos sobre as questões atuais que envolvem as ações de combate, controle e prevenção da Covid-19 nos territórios indígenas.
Face ao exposto, o presente estudo tem o objetivo de mapear as produções científicas sobre as estratégias preventivas utilizadas pelos serviços de saúde no enfrentamento da Covid-19 na população indígena do Continente Americano no período de 2019 a 2022.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de uma Revisão de Escopo (Scoping Study ou Scoping Review) guiada pelas recomendações do Joanna Briggs Institute, Reviewer's Manual®. O presente estudo seguiu o método proposto pelo Joanna Briggs Institute descrita em cinco fases: 1) Identificação da questão de pesquisa; 2) Estratégia de pesquisa; 3) Fonte de triagem e seleção de provas; 4) Extração de dados; 5) Análise e Apresentação dos resultados(9,10, 1).
Desta maneira, essa revisão guiou-se mediante as recomendações do PRISMA Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR): Checklist and Explanation for Scoping Reviews (PRISMA-ScR). Assim, foi elaborado um protocolo pelos dois pesquisadores e submetido para Open science framework, conforme o número do registro 10.17605/OSF. IO/QW56F12,13. Salientamos que no decorrer do desenvolvimento do estudo, foi necessário realizar algumas modificações no protocolo, em virtude do contexto do mnemônico PCC, realizou-se adaptações na pergunta norteadora e estratégia de busca.
A questão de investigação deste estudo foi elaborada segundo os critérios estabelecidos pela estratégia do mnemônico PCC, de acordo com o JBI. Mediante a isto, foram definidos os seguintes aspectos de interesse do estudo: P (População) = Povos indígenas; C (Conceito) = Estratégia preventiva contra a Covid-19; C (Contexto) = Continente Americano.
Deste modo, a pergunta norteadora desta revisão propõe a seguinte questão: quais são as produções científicas sobre as estratégias preventivas utilizadas pelos serviços de saúde no enfrentamento da Covid-19 na população indígena do Continente Americano?
Nesta etapa, foi selecionado para cada item da estratégia PCC um conjunto de descritores disponíveis, dessa forma, a estratégia de busca foi elaborada por meio da combinação do acrônimo PCC em três línguas diferentes (português, espanhol e inglês), utilizando-se dos descritores con trolados em saúde com os seus respectivos termos para seleção, os Descritores em Ciências da Saúde (Decs), o Medical Subject Headings (MeSH) por meio da lógica booleana com o operador "OR" (aditivo), e entre as linhas o operador "AND" (delimitador).
A busca dos estudos ocorreu no período de novembro 2021 a janeiro de 2022, nas seguintes bases de dados: Literatura Latino Americana e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online/Pubmed (MEDLINE), SCOPUS, Excerpta Medica data BASE (EMBASE), Web of Science (WOS) e Science Direct. Mediante a isto, salientamos que nem todas as bases de dados tiveram uma linguagem controlada, assim, foi elaborado a estratégia de busca especificamente desenvolvida e adaptada a cada base, na qual, deram origens aos dez cruzamentos de dados conforme o Quadro 1.
A fonte de triagem e seleção de provas foi realizada em três etapas: inicialmente realizou-se a leitura do título e resumo para incluir estudos que respondem o objetivo da pesquisa; posteriormente os estudos selecionados foram lidos na íntegra e por fim foi feita a leitura completa dos artigos incluídos.
A primeira etapa foi feita por dois revisores, na qual realizou-se a leitura do título e do resumo, seguindo os critérios de elegibilidade, com o auxílio de um checklist descritos na Tabela 1. Esse instrumento foi aplicado para cada estudo nesta primeira fase.
A sistematização das fases da busca, identificação e seleção estão representadas através do Fluxograma Prisma. Dos 237 estudos identificados, 51 foram eleitos para análise do título e resumo. Desses, nove foram excluídos por duplicidade, assim, 42 foram selecionados para análise do texto completo. A partir da leitura dos textos na íntegra, 36 foram excluídos e 6 estudos foram selecionados, segundo a Figura 1.
Os dados foram extraídos dos artigos selecionados e preenchido em um formulário elaborado pelos autores, que contempla o título do trabalho, autores (titulação, formação e origem da Instituição), título do periódico (ano, volume e número), delineamento do estudo, objetivos, os desafios para a implementação de estratégias de saúde, nível de evidência local de estudo, temas abordados, resultados, limitações dos estudos, estratégias utilizadas no serviço de saúde, contexto cultural dos povos indígenas e conclusão do estudo.
Com relação à classificação do nível de evidência será utilizado um instrumento, o de Classificação Hierarquia das Evidências para Avaliação dos Estudos: 1) revisões sistemáticas ou metanálises de relevantes ensaios clínicos; 2) evidências de pelo menos um ensaio clínico randomizado, controlado e bem delineado; 3) ensaio clínico bem delineado, sem randomização; 4) estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; 5) revisão sistemática; 6) evidências de pelo menos um dos estudos qualitativos ou descritivos; 7) opiniões de autoridades ou comitês de especialistas, incluindo interpretações de informações não baseadas em pesquisa14.
Por se tratar de um estudo de revisão, dispensou-se a apreciação pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Ressalta-se que o rigor metodológico seguiu conforme a estratégia metodológica proposta por Joanna Briggs Institute (JBI) para revisões de escopo.
RESULTADOS
Os artigos foram publicados entre os anos de 2020 (n=3) e 2021 (n=3), em diferentes periódicos, sendo que três eram nacionais e três internacionais. Quatro artigos eram da língua inglesa e duas no português, com destaque à sua distribuição entre os países como o Brasil com três artigos, seguidos de uma publicação de origem do Estados Unidos e Bolívia. Em relação ao nível de evidência o maior foi quatro e o menor foi sete.
Neste contexto, sabe-se que os povos indígenas estão entre os grupos de riscos, devido as iniquidades sociais que potencializam os impactos da Covid-19 entre esses indivíduos. Foi possível observar nos artigos A1, A2 A3, A4, e A6 que em relação aos fatores sociodemográficos, a baixa renda familiar, a falta de saneamento básico, as condições de moradias, a diferença no nível educacional e a presença do idoso na composição familiar, foram alguns determinantes que corroboram para a incidência e evolução da Covid-19 entre os povos indígenas7,15-19.
A exploração dos estudos publicados permitiu a caracterização das estratégias preventivas direcionadas para os povos originários. Nesse contexto, três dos artigos selecionados apontaram as ações que foram implementadas nos territórios indígenas com o intuito de conter as taxas de infecções da Covid-19, nas quais, se destacaram a criação de intervenções linguisticamente apropriadas, a participação das lideranças indígenas nas tomadas de decisões, o uso de materiais educativos, apoio financeiros para a compra de insumos, como os equipamentos de proteção individual para os profissionais da saúde, remoção de pacientes sintomáticos e assistência local a outros tipos de doenças nas comunidades, para prevenir a exposição as infecções hospitalares.
Entretanto, constatou-se que dos seis artigos inclusos nesta revisão, apenas três estudos faziam a orientação direcionada para a implementação de distintas estratégias preventivas, com a finalidade de conter a disseminação desta doença nas comunidades indígenas. As evidências recomendavam a utilização das normas de biossegurança, como a realização da quarentena, esquema vacinal completo, uso de equipamentos de proteção individual, uso de máscaras, higienização das superfícies e objetos manipulados pela equipe de saúde, capacitações permanentes para os profissionais, isolamento, monitoramento dos pacientes, assim como, o uso da telemedicina e intervenções que fossem apropriadas em consonância com a diferença linguística de cada etnia, conforme descritas na Tabela 2.
Nos países estudados, os artigos desvelaram os possíveis desafios para a implementação das estratégias de prevenção contra a Covid-19. Dentre as quais, o hábito de compartilhar os utensílios em rituais tradicionais foram considerados riscos adicionais, assim como, a vulnerabilidade socioeconómica, a falta de investimento em recursos financeiros, somados com a entrada de pessoas autodeclarados não indígenas e invasão dos territórios, são citados nos artigos A1 e A3 como umas das barreiras que interfere diretamente na efetividade destas ações nas comunidades7,16.
Dessa forma, os estudos selecionados deram visibilidade para a adoção das práticas básicas de biossegurança, por meio da implementação suges tões de estratégias preventivas que minimizassem os impactos da pandemia da Covid-19. Nossas descobertas enfatizam as diligências das lideranças indígenas em iniciarem as ações de isolamento e orientação como evidenciado no artigo A17. Assim como salientamos a potencialidade de suas participações nas estratégias de controle de infecção para os futuros surtos, epidemias ou pandemias.
DISCUSSÃO
A presente revisão revela os impactos negativos dos determinantes sociais entre os povos indígenas. Um estudo realizado no Sul da Asia corrobora com as evidências mapeadas, ao analisar que as desigualdades socioeconômicas que infligem esses povos tradicionais, se reforçarão com o avanço da pandemia da Covid-19, acarretando assim, um aumento das comunidades que se encontram em precárias condições sociais e desigualdades estruturais existentes entre as populações indígenas20.
No que tange as estratégias de enfrentamento da Covid-19, um estudo realizado no estado do Mato Grosso destaca a preocupação da equipe multidisciplinar em relação a proteção, prevenção e controle contra a Covid-19 nas comunidades indígenas. Na ação denominada de operação Xavante os profissionais de saúde desenvolveram a sua missão pautados nas medidas de biossegurança e o uso correto dos equipamentos de proteção individual, deste modo, os achados citados vão de encontro com as estratégias preventivas evidenciadas nesta revisão, nas ações desenvolvidas pelos profissionais, como os testes rápidos, orientações e a sensibilização da comunidade através das educações em saúde21.
Para que se construa uma assistência baseada nas necessidades específicas de cada etnia, tornase necessário analisar a resposta cultural dos povos indígenas a uma determinada enfermidade. Entre o modelo biomédico e a medicina indígena, os profissionais de saúde devem reconhecer e respeitar os conhecimentos dos líderes (pajés) ou curandeiros, deste modo, essa relação intercultural durante o cuidado aos povos originários, pode ser capaz de promover uma interação bem-sucedida, diferenciada, efetiva e eficaz22.
Observa-se nos artigos elegidos, que a iniciativa dos povos indígenas nas tomadas de decisões contra a Covid-19, foi um fator importante para o controle e prevenção desta infecção em algumas comunidades indígenas. Entretanto, é evidente a falta de recursos didáticos apropriados para suprir as necessidades desses indivíduos, o que interfere negativamente na saúde dessas pessoas23.
Na perspectiva do cuidado intercultural, para que as informações preventivas contra a Covid-19 sejam eficazes, é imprescindível que os serviços de saúde atuem de forma diferenciada. Desta maneira, a comunicação, a transmissão das mensagens sobre os sinais e sintomas, a promoção e prevenção só será eficaz se o profissional conseguir atender o dialeto da especifica etnia indígena em suas atividades assistenciais24.
Na literatura é evidente a escassez de estudos que evidenciem os impactos da pandemia da Covid-19 no processo de cuidar e viver desses povos, a partir de uma perspectiva cultural. Neste contexto, esta revisão salienta a valorização da participação ativa das lideranças indígenas na construção de estratégias de saúde, para que os planos de cuidado estejam conforme a realidade cultural desses povos e que sejam interligadas ao modelo de atenção diferenciada à saúde dos povos indígenas25.
Por fim, ao evidenciamos nos artigos que a falta de verbas e a interrupção dos investimentos dificultaram a implementação das estratégias pre ventivas, reforçamos a necessidade dos repasses dos recursos financeiros destinados a manutenção da saúde e bem-estar desses indígenas, na qual, contribuir para que os profissionais de saúde enfrentem barreiras já existentes, o que minimizariam os impactos negativos nessas populações vulneráveis, assim como, a importância de se criar estratégias baseadas na equidade, empatia e humanização desde o início do cuidado26.
Em relação a limitação do estudo, devem ser levadas em consideração a falta de pesquisas mais robustas, os estudos selecionados tinham como desenho metodológico estudo de opinião, relato pessoal, editorial e reflexão, o que limitou as comparações e a afirmação dos resultados em relação a temática investigada.
CONCLUSÕES
A presente revisão trouxe, assim, uma maior visibilidade sobre as estratégias preventivas, conseguindo realizar o seu papel de iluminar os caminhos da pesquisa e elucidar brechas sobre a temática proposta, na qual, traz uma reflexão sobre a escassez de estudos sobre as ações de prevenção realizadas pelos serviços de saúde em áreas indígenas, a falta de uma percepção mais detalhada dos profissionais quando ao processo de cuidado aos indígenas que residem em áreas urbanas, rurais ou de recém contato.
Além disso, observou-se a necessidade de um plano assistencial, do preparo das equipes de saúde e dos indígenas, para que as estratégias de contenção das distintas doenças infectoconta-giosas sejam eficazes nessas comunidades. Desta maneira, é de suma importância o investimento e continuidade dessas ações preventivas, da adoção das recomendações das práticas de biossegurança e o uso corretos dos equipamentos de proteção individual.
Assim, ressalta-se a importância de se criar novas estratégias que sejam duradoras, que possam ser atualizadas conforme as necessidades evidenciadas pelos profissionais de saúde, assim como, é dever do Governo investir em novas tecnologias em saúde que consigam suprir as necessidades do ser cuidado e do cuidador, emponderando-as para gerir sua saúde e auxiliar os serviços assistenciais no manejo clínico, em virtude, da limitação linguística das distintas etnias indígenas.