INTRODUÇÃO
Dentre as metas internacionais de segurança, a prevenção de quedas e danos relacionados é objetivo prioritário diante dos impactos negativos desse Eventos Adversos (EA) aos pacientes e instituições de saúde. As quedas ocorrem quando a pessoa repousa inadvertidamente no chão ou em nível mais baixo, podendo causar diversos danos à saúde como lesões, incapacidades físicas e óbitos1.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), as quedas representam a segunda causa de mortes acidentais no mundo. Por ano, cerca de 684.000 pessoas morrem devido este incidente. Estima-se que 37,3 milhões de quedas exigem assistência médica todo ano1. No Brasil, segundo a Agente Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), no período de abril de 2020 a março de 2021, foram notificadas mais de 16 mil quedas, cuja maior ocorrência foi em hospitais, com mais de 15 mil notificações®.
Nessa perspectiva, no âmbito hospitalar, destacam-se as unidades de internação cirúrgica como ambientes críticos para a ocorrência de quedas devido a fatores como permanência prolongada dos pacientes nesses setores e maior complexidade assistencial3. Embora haja maior ocorrência de quedas em unidades clínicas, estudos têm destacado ocorrência significativa deste evento em unidades cirúrgicas3-5, nas quais situam-se os pacientes adultos e idosos hospitalizados em pós-operatório, clientela que é vulnerável a inúmeros EA, dos quais destacam-se os acidentes por quedas.
Por configurar-se como uma fase crítica, o período pós-operatório corrobora para o surgimento de diversas vulnerabilidades decorrentes do procedimento anestésico-cirúrgico. O comprometimento da mobilidade física e do estado mental em decorrência da utilização de fármacos sedativos e analgésicos associado com o perfil clínico de comorbidades e idade avançada dos pacientes favorece a ocorrência de quedas6,7. Estudo realizado em hospital universitário do Sul do Brasil, com 358 adultos hospitalizados, identificou que o período pós-operatório constituiu preditor da ocorrência de quedas8.
Diante disso, reduzir a incidência de quedas nessa população constitui esforço fundamental para garantia da segurança do paciente na recuperação cirúrgica, de modo a mitigar possíveis fatores que concorrem para o acontecimento do referido incidente. Para isso, torna-se necessária a vigilância dos fatores de risco por parte das equipes de saúde desde a saída da sala de cirurgia até a recuperação pós-anestésica, a fim de oportunizar a avaliação contínua, holística e individualizada dessa clientela9,10.
Assim, frente à escassez de estudos sobre quedas pós-operatórias em adultos e idosos hospitalizados, a identificação na literatura científica dos fatores de risco e danos decorrentes desse incidente poderá elucidar como eles podem interferir na recuperação pós cirúrgica, bem como contribuirá para a atuação da equipe de enfermagem e demais profissionais que atuam na assistência perioperatória a esse grupo vulnerável, visto que favorecerá o planejamento e a implementação de medidas preventivas.
Ante o exposto, objetivou-se analisar as evidências científicas sobre fatores de risco e danos decorrentes de quedas em adultos e idosos no período pós-operatório
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de revisão integrativa da literatura que contemplou as fases de identificação da questão de pesquisa e elaboração da pergunta norteadora; definição de critérios de inclusão e exclusão de estudos; busca de artigos na literatura científica e avaliação crítica destes; interpretação e discussão dos resultados; e apresentação final da revisão11.
A questão norteadora do estudo, bem como a definição das estratégias de busca, foi elaborada conforme a estratégia População Interesse Contexto (PICo)12, na qual considerou-se P (População): paciente adultos e idosos hospitalizados no período pós-operatório; I (Interesse): fatores associados à ocorrência de quedas; Co (Contexto): assistência hospitalar. Deste modo, elencou-se a seguinte questão de pesquisa: Quais são os fatores associados à ocorrência de quedas em pacientes adultos e idosos hospitalizados no período pós-operatório?
A busca de estudos foi realizada no período de abril a maio de 2021 nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), National Library of Medicine and National Institutes ofHealth (PubMed/MEDLI-NE), PubMed Central (PubMed/PMC), Scopus, Cumulative Index ofNursing and Allied Health Literature (CINAHL) e Web of Science, mediante as estratégias de busca descritas no Quadro 1, que foram definidas com palavras-chave e termos dos Descritores em Ciências da Saúde (DECS), Medical Subject Headings (MeSH) e Cinahl Headings, a fim de ampliar os resultados em cada base de dados.
A seleção e análise dos estudos foi realizada por dois pesquisadores independentes, sendo que as divergências foram resolvidas pelo consenso entre os dois pesquisadores após a análise conjunta dos estudos mediante verificação dos critérios de elegibilidade. Ademais, ocorreu em consonância com as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA)13, no qual adotou-se como critérios de inclusão: estudos primários sem delineamento de tempo e idioma e que abordassem os fatores de risco e/ou danos decorrentes de quedas em adultos e idosos hospitalizados no período pós-operatório. Excluiu-se os artigos de revisão, teses, dissertações, editoriais, estudos repetidos e que não atendessem à questão de pesquisa.
Inicialmente, os estudos identificados foram exportados para o gerenciador de referências Mendeley, por meio do qual foram excluídos os duplicados. Posteriormente, realizou-se a leitura de resumos e títulos dos artigos para seleção dos elegíveis.
Após essa etapa, as publicações selecionadas foram lidas completamente e selecionou-se 10 estudos para a amostra final. Esses, por sua vez, foram analisados por meio de instrumento elaborado pelos próprios autores, que continha as seguintes variáveis: autores, ano de publicação, país de origem, tipo de estudo, amostra, nível de evidência e principais resultados, informações que foram sintetizadas em quadros descritivos.
Para a classificação do nível de evidências, considerou-se: I. Revisão sistemática ou metanálise; II. Ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; III. Ensaios clínicos bem delineados sem randomização; IV. Estudos de coorte e de caso controle; V. Revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; VI. Estudos descritivos ou qualitativos; VII. Opinião de autoridades e relatórios de comitês de especialistas14.
RESULTADOS
Por meio do levantamento bibliográfico recuperou-se um total de 1626 publicações, das quais selecionou-se 10 estudos para a amostra final, conforme descreve a Figura 1.
No que se refere ao país de origem dos artigos, predominou Brasil com quatro (40,0%) (Quadro 2)
15,16,20,24, seguido dos Estados Unidos com três (30,0%) estudos17,18,22, seguidos de Taiwan19, Turquia21 e Canadá23 com um (11,1%) estudo cada. Quanto ao nível de evidência, predominou nível IV, com seis (60,0%) estudos17-20,22,23, seguido do nível VI, com quatro (40,0%) estudos15,16,21,24. O Quadro 2 traz a descrição dos estudos.
Apenas quatro estudos abordaram a utilização de instrumentos para avaliação do risco de quedas15-17,21. É importante destacar que, na maioria dos estudos, o sexo masculino predominou na amostra(15, 18-20, 23, 24). Um estudo identificou que a presença do risco de quedas teve maior frequência no sexo masculino15. Todavia, apenas uma pesquisa apontou esse gênero como o de maior risco, estatisticamente significativo, para sofrer o referido EA22. Outros dois estudos não identificaram associação estatística significativa entre o risco de quedas e o sexo16,19.
Quanto aos demais fatores de risco para quedas pós-operatórias predominantes, comuns a todos os tipos de cirurgia, destacou-se idade avançada, histórico de quedas, uso de fármacos e alterações na condição física15-25. Sete estudos abordaram os danos decorrentes de quedas17-19,20,22-24, na qual foram prevalentes os hematomas, fraturas e ferimentos. No Quadro 3, são abordados os principais resultados dos estudos.
DISCUSSÃO
A presente revisão possibilitou identificar que pacientes adultos e idosos submetidos a procedimentos anestésico-cirúrgicos vivenciam diversos fatores de risco para quedas. Ademais, evidenciou-se ocorrência de inúmeros danos à saúde decorrentes desse evento, que sinalizam para a necessidade de promoção de ações que visem ampliar a segurança do paciente nos setores cirúrgicos.
Por meio da análise das publicações, identificou-se diversos tipos de procedimentos cirúrgicos aos quais os participantes foram submetidos, com variação desde cirurgia geral às cirurgias específicas como herniorrafia, por exemplo. Todavia, apenas um estudo os correlacionou com maior chance de ocorrer quedas, porém, não foi encontrada associação estatística significativa15. Outra pesquisa também não identificou associação estatisticamente significativa entre o risco de quedas e porte cirúrgico16.
Entretanto, salienta-se que o porte cirúrgico e a finalidade da cirurgia podem influenciar no surgimento de maior risco de quedas, visto que estes aspectos interferem no estado geral do paciente de forma que exigem maiores demandas de cuidado.
Quatro estudos abordaram a utilização de ferramentas para a avaliação do risco de quedas, com destaque para a taxanomia da NANDA-I por meio do Diagnóstico de Enfermagem Risco de quedas15, Escala de Morse16, Escala de queda de Tinetti adaptada17 e Itaki Fall Risk Scale21. Pontua-se que a implementação destes instrumentos no processo de cuidado, em especial os sistemas de linguagem próprios da Enfermagem, pode favorecer o monitoramento contínuo e integral dos pacientes por meio de sua estratificação quanto ao risco de quedas, à autonomia e à independência, oportunizando o cuidado individualizado e, consequentemente, a redução desse incidente a partir do direcionamento da assistência de enfermagem conforme o perfil dos sujeitos assistidos.
Quanto aos fatores de risco para quedas prevalentes, observou-se semelhanças nos estudos, no quais, predominaram a idade avançada, o histórico de quedas, as alterações na condição física, a presença de comorbidades e o uso de agentes farmacológicos15-24. Nesse sentido, a idade avançada constituiu um dos principais fatores pré-operatórios preditores do alto risco de quedas, o que representa situação preocupante que demanda vigilância contínua dos pacientes desse grupo, tendo em vista que o avanço da idade traz alterações funcionais e cognitivas que comprometem a mobilidade, a estabilidade postural, a força muscular e a propriocepção dos indivíduos, favorecendo a ocorrência de incidentes15,17.
Quanto ao histórico de quedas, estudo destacou que a ocorrência de uma ou mais quedas no pré-operatório tiveram forte associação com o novo acometimento por este evento no pós-operatório e forte relação com a deterioração funcional pós-operatória17. Tais resultados foram ao encontro de pesquisa desenvolvida nos Estados Unidos a respeito de quedas pré-operatórias, a qual pontou que pacientes vítimas deste acidente tiveram maior chance de ter capacidade funcional prejudicada e menor qualidade de vida física e mental25. Isto revela a importância da identificação acurada dos fatores de risco já no período pré-operatório, que se torna relevante por fortalecer o monitoramento efetivo do paciente e a minimização das condições evitáveis que se configuram como riscos para quedas.
Outrossim, dentre as condições que influenciaram na ocorrência de quedas nos pacientes em pós-operatório, destacou-se as anestesias geral, regional e com sedação intravenosa, assim como as alterações motoras como a mobilidade física prejudicada e a perda de equilíbrio(15, 18,19). Esses aspectos revelam o aumento do estado funcional de dependência e das vulnerabilidades dos indivíduos decorrentes do procedimento anestésico-cirúrgico, visto que corroboram mutuamente para a deterioração do estado físico e cognitivo dos sujeitos, bem como contribuem com a redução de sua capacidade de proteção e aumentam a probabilidade de estes virem a cair.
A presença de comorbidades, como Hipertensão Arterial Sistêmica, Diabetes Mellitus e doença circulatória pulmonar, estiveram associados ao alto risco para quedas16,22, achado que corrobora com resultados de outros estudos realizados com pacientes adultos internados em clínicas médico-cirúrgicas7,26. Essas condições contribuem para o declínio funcional e dependência de medicamentos, principalmente em pacientes com idade mais avançada, de forma que favorecem a polifarmácia e coadjuvam para o aparecimento de fatores de risco para quedas27.
Nessas circunstâncias, o uso de agentes farmacológicos também constituiu um dos principais fatores de risco para quedas, com predomínio nos estudos de anti-hipertensivos, psicotrópicos, inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECAs), narcóticos e opiáceos15,20. Dentre os efeitos colaterais destes medicamentos, pode-se citar a ocorrência de cãibras, sensação de fraqueza muscular, vertigem, hipotensão, tonturas e efeito depressor do sistema nervoso20,28.
Tais aspectos implicam no comprometimento da mobilidade física, aumentando o risco de quedas. Essa situação requer maior vigilância da equipe de saúde sobre esses fatores. Reforça-se a importância de o enfermeiro revisar os fármacos em utilização, conhecer seus mecanismos de ação e possíveis efeitos colaterais, objetivando promover orientações aos pacientes e monitorar suas respostas à terapêutica farmacológica prescrita.
Outro achado relevante destacado em estudo transversal realizado na Turquia com 202 idosos no período pós-operatório, foi a associação da dor pós-operatória com o risco de quedas, no qual evidenciou-se que quanto maiores os níveis de dor, maiores as chances de sofrer queda21. Isso sinaliza para a necessidade de avaliação da dor no pós-operatório como estratégia de estratificação do risco de quedas, bem como salienta a relevância de medidas mitigadoras desse sinal vital para a reduzir a probabilidade de ocorrência de incidentes.
Em relação ao gênero, predominou nos estudos o sexo masculino, sendo este apontado em um estudo como o de maior risco para quedas22. Não há consenso na literatura sobre qual o sexo predominante mais atingido por esse acidente. Todavia, pesquisadores pontuam esse EA pode ser mais incidente nos homens devido a cultura destes de não pedirem ajuda para realizar atividades rotineiras16.
No tocante aos danos decorrentes das quedas apresentados nos estudos, houve predomínio de hematomas, fraturas e ferimentos. Estudo realizado nos Estados Unidos com pacientes submetidos à artroplastia de quadril e joelho, também destacou ocorrência de complicações relacionadas ao procedimento devido às quedas, como alterações cardíacas e vascular periférica, deiscência de ferida cirúrgica e infecção22. Dois estudos também identificaram maior tempo de internação hospitalar nos pacientes que sofreram o EA em relação aos que não o sofreram22,23.
Esses dados corroboram com estudo longitudinal retrospectivo realizado no Sul do Brasil, com 260 registros de quedas com dano em adultos internados em unidades clínico-cirúrgicas, cujos resultados apontaram como prevalentes os danos como escoriações, ferimento contuso, fraturas e traumatismo cranioencefálico leve, desfechos que demandaram a tomada de novas condutas assistenciais como realização de exames de imagem, sutura, curativos e até transferência para Centro de Terapia Intensiva29.
Esses achados revelam que as quedas causam maior deterioração do quadro clínico dos pacientes, geram necessidade de novas intervenções que prologam a internação hospitalar e aumentam os custos financeiros para as instituições de saúde. Além disso, contribuem para o acontecimento de outros problemas como depressão, ansiedade e medo de cair novamente, o que predispõe os sujeitos ao acometimento por novas quedas30.
Frente a isso, considerando-se a relevância da prevenção de quedas, pontua-se que esse evento e danos relacionados podem ser potencialmente evitados no ambiente hospitalar, o que torna necessário o uso de intervenções e protocolos institucionais de prevenção e dos sistemas de linguagem da Enfermagem, tendo em vista que estes podem corroborar com o gerenciamento de fatores de risco e mitigação do impacto desse incidente no período pós-operatório24,31,32.
Destaca-se também a importância de o enfermeiro avaliar continuamente a condição clínica do paciente no processo de recuperação pós cirúrgica. Além do mais, evidencia-se como fundamentais os cuidados com o uso de dispositivos protetores como grades do leito, a vigilância do ambiente para reduzir risco ambientais e a inclusão, corresponsabilização e educação do paciente e familiar/acompanhante no processo de cuidar com o propósito de orientá-los sobre os fatores de risco e ações preventivas31-33.
Ressalta-se também a importância da integração multiprofissional, da comunicação efetiva e notificação adequada dos casos de quedas pós-operatórias para oportunizar a redução do incidente, aprimorar as práticas de saúde e a segurança dos pacientes no período pós-operatório.
Portanto, os achados aqui apresentados tornam-se fundamentais para auxiliar os enfermeiros e demais profissionais da saúde na implementação de estratégias de prevenção de quedas no pós-operatório, como aplicação de tecnologias educativas sobre o tema, focadas nos fatores de risco e danos prevalentes associados a esse EA. Ademais, pesquisas futuras poderão ser desenvolvidas com base nas lacunas identificados no presente estudo, como poucos estudos desenvolvidos com adultos hospitalizados submetidos a amputações.
Como limitações desta revisão aponta-se a o baixo nível de evidência dos estudos, bem como as lacunas destes referentes a utilização de instrumentos para avaliação do risco de quedas, bem como aos danos associados a este EA. A amostra pequena de estudos sobre a temática também é uma limitação importante.
Destarte, salienta-se a importância da realização de novas pesquisas mais robustas, com rigor metodológico, sobre a tema em questão. Também é relevante o desenvolvimento de novos estudos que busquem identificar os índices de ocorrência, os fatores de risco e os danos de quedas no pós-operatório imediato e mediato, bem como de pesquisas que visem desenvolver e implementar intervenções adequadas ao diagnóstico de enfermagem Risco de quedas para indivíduos do perioperatório.
CONCLUSÃO
Este estudo possibilitou identificar os principais fatores de risco para quedas em adultos e idosos hospitalizados no período pós-operatório. Os mais prevalentes foram idade avançada, comorbidades, comprometimento do estado físico, história de quedas e uso de agentes farmacológicos. Ademais, foram identificados como principais danos resultantes do incidente os hematomas, fraturas e ferimentos, que estiveram relacionados ao aumento da deterioração do paciente e do período de internação hospitalar.
Assim, acredita-se que esses achados podem trazer importantes contribuições para a segurança do paciente na prática clínica da enfermagem perioperatória. Portanto, espera-se fornecer subsídios para elaboração e implementação de práticas e políticas assistências e gerenciais, planos cuidados de enfermagem e intervenções multiprofissionais para a prevenção de quedas no pós-operatório e garantia da segurança do paciente no hospital.