INTRODUÇÃO
O trabalho é uma das atividades mais relevantes realizadas pelo ser humano e abrange parte da vida do mesmo1. Contudo, as demandas laborais do ambiente, o processo e a organização do trabalho podem influenciar na saúde do trabalhador expondo-os a uma série de riscos, dentre os quais destaca-se os riscos psicossociais. Esses riscos se relacionam à fatores que podem contribuir ou mesmo provocar o adoecimento físico e mental dos trabalhadores2, e além disso, as condições de trabalho estressantes podem afetar negativamente o trabalhador e a instituição3,4). Com relação ao adoecimento mental dos trabalhadores, os elementos políticos, económicos, sociais, culturais, ambientais e intrapsíquicos do processo de saúde/ doença, dos trabalhadores, podem influenciar no surgimento desse problema5,6. A carga de trabalho está associada a estressores laborais e causar agravos significativos em razão de condições precárias de organização do trabalho, que vão desde a baixa valorização e remuneração, descompasso entre tarefas prescritas e realizadas, até a escassez severa de recursos e problemas de infraestrutura7,8.
Neste contexto, a Síndrome de Burnout é resultante de um estresse crónico no local de trabalho que não foi administrado e assistido com qualidade8, é caracterizada por um sentimento de ineficácia profissional associada a uma despersonalização, provocando sintomas físicos e psicológicos, sendo constituída por três dimensões: exaustão emocional, cinismo e ineficácia profissional8-10. A exaustão emocional é caracterizada pelo distanciamento emocional para com o trabalho; o cinismo/despersonalização está relacionado ao desenvolvimento de comportamentos negativos e insensibilidade com as pessoas que recebem o trabalho prestado; e a ineficácia profissional é ausência da realização pessoal, a avaliação do próprio trabalho de forma negativa, associando com sensações e avaliações de baixa autoestima8,9,11 Essa síndrome pode surgir por meio da ocorrência do estresse no trabalho e quando o trabalhador vivencia uma perda de expectativas e motivações pessoais e profissionais12, podendo ocasionar déficit na produtividade e na qualidade do trabalho, absenteísmo, aumento da rotatividade, acidentes ocupacionais, problemas sociais, depressão e doenças mentais13.
No que diz respeito ao adoecimento físico que pode acometer os trabalhadores, destacam-se os Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) que afetam o aparelho locomotor (músculos, tendões, ossos, cartilagem, ligamentos e nervos), e são ocasionados pela repetitividade de movimentos, demandas e força posturais, tensão muscular e condições ambientais e/ou psicossociais desfavoráveis14,15 Podem gerar problemas na saúde pública, ocasionar limitações16, interferir nas atividades laborais e de vida diária17,18, representando umas das principais causas de absenteísmo no trabalho14,19.
A incompatibilidade entre a capacidade funcional do trabalhador durante a prática laboral pode interferir no desenvolvimento do trabalho, além disso, ela abrange uma concepção holística integrando os elementos físicos e psicossociais, e identificando a relação entre os aspectos individuais do trabalho e do ambiente, podendo ser denominada instabilidade no trabalho20,21.
Em consequência dos distúrbios físicos e psíquicos surge a instabilidade no trabalho, definida como o período em que os trabalhadores têm maior dificuldade em realizar suas atividades, devido a uma incompatibilidade entre sua capacidade funcional e suas atividades laborais20, relacionando-se à divergência entre as demandas da ocupação e as capacidades individuais22; avalia o impacto da saúde do trabalhador na produtividade do trabalho e mensura o quanto o profissional está conseguindo realizar e gerenciar suas tarefas no trabalho20,21.
Os distúrbios musculoesqueléticos e as doenças psicológicas foram as causas mais frequentes de instabilidade e afastamento no trabalho entre trabalhadores de enfermagem, e, neste contexto, manter a capacidade para o trabalho por meio do diagnóstico precoce e da oferta de intervenções são importantes para minimizar a instabilidade no trabalho23.
Considerando que os distúrbios osteomuscu-lares e o desgaste mental contribuem para a diminuição da capacidade para o trabalho, em especial na instabilidade no trabalho, esta revisão busca oferecer subsídios para o conhecimento frente à temática do adoecimento físico e mental. Com isso, este estudo teve por objetivo mapear a produção científica sobre a relação entre Síndrome de Burnout, instabilidade no trabalho, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho e absenteísmo-doença em profissionais de saúde.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de uma revisão de escopo cuja proposta viabiliza a síntese de evidências sobre um assunto específico rígida e sistematicamente24, e são realizadas cinco etapas operacionais obrigatórias e uma opcional, sendo: 1) Identificação da questão de pesquisa; 2) Identificação dos estudos relevantes; 3) Seleção dos estudos; 4) Mapeamento dos dados; 5) Agrupamento, análise e resumo dos dados; e 6) Consulta a pesquisadores (opcional'24,25. Na primeira etapa, para a elaboração da questão norteadora utilizou-se a estratégia PICO26, o acrónimo para População (P), Intervenção (I), Comparação (C) e Outcome (O), buscando recuperar as publicações. O uso dessa estratégia direciona a identificação de palavras-chave relacionadas ao tema, facilitando o processo de construção da estratégia de busca de estudos relevantes para que seja localizada a melhor evidência científica26, sendo P: profissionais de saúde; I: instabilidade no trabalho, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho e absenteísmo-doença; C: não foi aplicável, visto não haver comparações neste estudo; e O: Síndrome de Burnout. A pergunta de investigação originada foi: a Síndrome de Burnout em profissionais de saúde tem relação com a instabilidade no trabalho, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho e o absenteísmo-doença?
De forma a garantir a identificação dos estudos relevantes, na segundo etapa, a busca dos estudos, foi realizada em maio de 2020 nas seguintes bases de dados: Web of Science (WOS/ISI), Scopus, Medical Literature Analysis and Retrieval Online (MEDLINE/ PuBMed), Cochrane Library (Cochrane), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), The Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Embase; na biblioteca virtual Scientific Electronic Library (SciELO) e no repositório Google Scholar. As estratégias de buscas estão descritas na Tabela 1. Após a realização da busca, os estudos foram exportados e mapeados por meio do software State of the Art through Systematic Review (StArt)27.
Na terceira etapa, foram incluídos estudos quantitativos, qualitativos, estudos primários e revisões, publicados nos últimos 20 anos, nos idiomas português, inglês e espanhol, com textos completos disponíveis e que respondessem à pergunta de investigação, a fim de identificar o maior número de estudos possíveis. Os estudos encontrados estão apresentados no fluxograma do processo de seleção dos estudos adaptado do PRISMA-ScR28 por meio da Figura 1.
Os artigos repetidos em mais de uma fonte de dados foram contabilizados uma vez. O mapeamento das informações relevantes para síntese e interpretação dos dados representa o quarto estágio, e foram extraídos e mapeados.
Na quinta etapa foi realizado o agrupamento, análise e resumo dos dados por dois revisores. As dúvidas e incongruências sobre a inclusão ou não inclusão dos artigos na amostra final foram analisadas e discutidas por um terceiro revisor, quando necessário.
RESULTADOS
Foram encontrados 1289 artigos nas bases de dados, biblioteca virtual e repositórios pesquisados, sendo: 904 (70,2%) artigos na PubMed, 200 (15,6%) na Scopus, 34 (2,6%) na CINAHL, 28 (2,2%) na LILACS, 11 (0,8%) na WOS, oito (0,6%) na Embase, dois (0,1%) na Cochrane, dois (0,1%) na SciELO e 100 (7,8%) no Google Scholar. Dos 11 artigos analisados, todos estavam em inglês29-39) (Quadro 1).
DISCUSSÃO
Os estudos incluídos nesta revisão demonstraram a associação do burnout com a instabilidade no trabalho, com destaque para a diminuição da autonomia, aumento de carga horária de trabalho, com prometimento e despersonalização. Evidenciou-se também a associação do burnout com DORT, sendo que os principais problemas destacados foram às dores osteomusculares e o esgotamento. As evidências mostraram que o burnout também apresenta relação com o absenteísmo doença e a exaustão psicológica, provocando faltas no trabalho que interferem na gestão laboral e estresse respectivamente. Elevados níveis de burnout foram associados ao estresse relacionado ao trabalho29 e a fadiga relacionada à exaustão emocional30.
Destaca-se que o burnout é um problema preocupante entre os profissionais de saúde e vem se tornando mais frequente, devido às demandas excessivas de trabalho que podem causar efeitos negativos nos trabalhadores, relacionados aos aspectos somáticos, psicológicos e organizacio-nais*40', provocando esgotamento, desmotivação e sobrecarga no trabalho41. Em um estudo realizado na Etiópia entre profissionais de saúde, destacou-se que mais da metade desses profissionais foram afetados por estresse ocupacional e burnout, respec-tivamente6.
Os artigos analisados abordaram o burnout e a relação com a instabilidade no trabalho, fortalecendo o vínculo entre o aumento da carga de trabalho, fadiga e diminuição da eficácia laboral do trabalhador. Isso acontece, pois a síndrome de burnout pode ser resultante de estresse de ação prolongada no ambiente laboral e da presença dos sintomas musculoesqueléticas40. O esgotamento profissional em profissionais de saúde está em evidência nas investigações científicas mediante as consequências tanto para o empregado quanto ao empregador, e também na assistência direta aos pacientes35,35). A sobrecarga de trabalho foi um fator de risco importante apresentado por estudo realizado com enfermeiros, impactando nos acidentes de trabalho e provocando também a síndrome de burnout42. Ademais, essa síndrome provocou consequências negativas nas relações interpessoais no trabalho por meio da exaustão emocional, cinismo e ineficácia profissional35.
O aumento da carga de trabalho foi discutido nos estudos que abordaram a instabilidade no trabalho, uma vez que, as atividades laborais prolongadas e intensas afetaram o profissional ocasionando sintomas físicos e psíquicos31,34,35,37,39. Este fato está relacionado à discrepância entre as demandas de trabalho impostas ao trabalhador e as capacidades individuais do mesmo22.
Com relação ao burnout e os distúrbios osteo-musculares, as evidências demonstram que os trabalhadores que relataram dores nas costas, pescoço e ombros sofreram esgotamento no trabalho32,43. A carga de trabalho associou-se ao estresse e ao risco psicossocial, aumentando a tensão no trabalho, e consequentemente aumentando a exaustão emocional37. Neste contexto, destaca-se que o estresse laboral está relacionado aos fatores físicos representado pela atividade muscular, força e postura do trabalhador, e pelos fatores mentais caracterizado pelo ambiente do trabalho, relações interpessoais e a tomada de decisão44. Tal situação pode ser confirmada em um estudo de revisão, em que foi constatada que a síndrome de burnout foi um fator de risco para o surgimento de dores musculoesqueléticas45.
Dentre os principais determinantes da instabilidade no trabalho encontram-se a dor, a fadiga e os sintomas depressivos em pacientes com distúrbios musculoesqueléticos46, além disso, os DORT provocam desgaste físico e mental dos trabalhadores, prejudicando a prática profissional e o rendimento47. A dor musculoesquelética relacionou-se com os sentimentos de esgotamento profissional, e influenciou na capacidade de executar o trabalho36. Diante disso, destaca-se que nos profissionais de saúde, a dor musculosquelética apresenta-se como um fator sobrecarregador48, pois as cargas de trabalhos intensas podem provocar desgastes físicos.
Concernente aos distúrbios musculoesqueléticos e Síndrome de Burnout, destaca-se que esses distúrbios estão entre as principais causas de doenças ocupacionais nos profissionais de saúde em todo o mundo, principalmente entre a equipe de enfermagem43,49,50, e sua associação com o burnout tem motivado novas discussões, principalmente por ocasionar adoecimento físico e mental. Estudo de revisão sistemática da literatura45 objetivou resumir as evidências das consequências físicas, psicológicas e ocupacionais do burnout no trabalho em investigações prospectivas, e constatou-se uma associação significativa entre os distúrbios osteomusculares e Síndrome de Burnout, observando um aumento nos níveis do esgotamento profissional associados a um risco elevado de desenvolver dor musculoesquelética. Verificou-se ainda que, profissionais diagnosticados com altos níveis de burnout apresentaram uma chance aumentada de desenvolver dor musculoesquelética38, e isso pode interferir na sua capacidade de execução das atividades no trabalho, pois as regiões mais comumente afetadas são membros superiores, região cervical e lombar e membros inferiores, provocando também o cansaço mental, cefaleia, nervosismo e falha na memória42.
A literatura não apresenta um grande número de investigações que contemplam a relação entre burnout e absenteísmo, porém alguns autores identificaram que o burnout e idade foram fatores que afetaram de forma negativa a frequência do trabalhador no trabalho33, e também foi considerado como um preditor potencial de absenteísmo51. Esses achados indicam a necessidade de realização de estudos de fortes evidências para comprovar essas associações.
As consequências do burnout foram identificadas entre trabalhadores que apresentaram níveis médios ou altos dessa síndrome, e apresentaram maior risco de ausência no trabalho por doença de curto ou longo prazo45. A saúde debilitada do trabalhador juntamente com sua capacidade funcional diminuída pode levar ao absenteísmo, o que provoca preocupação para o profissional relacionada a uma possível perda de emprego e até exclusão permanente do mercado de trabalho, além das consequências económicas para as instituições empregadoras. O elevado desgaste profissional é promissor para o surgimento de absenteísmo por doença em enfermeiros, e isso provoca o aumento da carga de trabalho dos outros profissionais que estão em seus postos executando as práticas laborais39. Desta forma, é necessário focar no contexto organizacional e social do trabalho, avaliar os precedentes da Síndrome de Burnout e da instabilidade no trabalho, evitar a rotatividade dos profissionais da saúde, verificar e intervir no abandono da profissão, absenteísmo, presenteísmo e realizar intervenções.
Os indicadores resultantes dos estudos analisados possibilitam identificar que a síndrome de burnout se associa com a instabilidade no trabalho, distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho e o absenteísmo-doença, provocando adoecimento físico, mental e ausência no trabalho.
Com relação às limitações do estudo, o número reduzido de artigos divulgados abordando a relação das variáveis estudadas é considerado um aspecto limitante por não permitir uma análise mais aprofundada dos fenómenos, e considerando a tendência crescente do adoecimento de profissionais de saúde e ausências no trabalho, sugere-se a elaboração de novas investigações sobre esses objetos para ampliar o conhecimento científico e subsidiar o planejamento de intervenções e ações preventivas.
CONCLUSÃO
As investigações realizadas indicam que a síndrome de burnout em profissionais de saúde relaciona-se com a instabilidade no trabalho e com os DORT, e ocasiona absenteísmo entre os profissionais de saúde. Além disso, a instabilidade no trabalho está relacionada com as demandas que a ocupação impõe ao trabalhador associada às capacidades individuais das pessoas, e pode provocar o adoecimento de profissionais de saúde relacionados à Síndrome de Burnout e DORT.