INTRODUÇÃO
A enfermagem está diretamente relacionada ao cuidado humano e à qualidade de vida por meio de ações que visem o cuidado ecológico e a manutenção de ambientes saudáveis1.
Enfermeiros são profissionais indispensáveis ao processo de transformação e melhoria dos determinantes socioambientais do processo saúde-doença-cuidado2. A saúde ambiental refere-se a um campo importante da saúde pública que se ocupa do conhecimento das condições e fatores
ambientais (físicos, biológicos, químicos e sociais), que podem afetar a saúde, a qualidade de vida e o bem-estar humano2.
Contudo, em países da América Latina e Caribe, as competências relacionadas ao pensamento sistêmico, saúde ambiental e saúde global, ainda são pouco desenvolvidas pelos cursos de graduação em Enfermagem, apesar de tratarem-se de componentes curriculares indispensáveis para alcance da saúde universal3.
No Brasil, a temática socioambiental se configura em um assunto ainda incipiente na formação dos enfermeiros, com centralidade no modelo hegemônico biologicista e epidemiológico e foco nas doenças transmissíveis, seguindo a tendência histórica biomédica dos currículos da área da saúde4.
Nesse sentido, os cursos superiores de enfermagem ainda proporcionam poucas oportunidades de discussão sobre as relações existentes entre as questões socioambientais e de saúde e os formandos não vêm demonstrando competências para o enfrentamento de problemas e riscos ambientais que impactam a saúde pública4.
As mudanças curriculares da enfermagem devem abarcar aspectos de ensino humanizado voltado compreender e contextualizar a realidade dos estudantes, de modo a prepará-los para lidarem com as necessidades de saúde da população5, compreendendo que tais necessidades também abrangem ações de proteção ambiental e sustentabilidade local e global, e não devem ser apenas de cunho conservacionista, mas, de abordagem crítica, emancipatória e construcionista6.
Com esse intuito, há desafios em se construir estratégias pedagógicas problematizadoras da realidade, que propiciem desenvolver a capacidade sensível, crítica e atitudinal de educador ambiental no estudante de enfermagem e da participação do enfermeiro em esferas político-administrativas deliberativas e em outras ações sociais ambientalmente apropriadas7.
Nesse sentido, a Tecnologia Educacional (TE) é um recurso pedagógico factível para ensino em saúde ambiental no contexto formativo do enfer-meiro2. As tecnologias educacionais representam ferramentas e metodologias inovadoras que ob-jetivam a mediação de processos de ensinar e aprender entre docentes e estudantes de graduação em enfermagem8,9. Tais tecnologias vêm sendo exploradas de forma crescente na educação em enfermagem e incluem processos metodológicos, produtos físicos e digitais, assim como, as tecnologias de informação e comunicação, que estimulem o protagonismo e a aprendizagem ativa dos estudantes9,10.
Considerando as demandas globais e locais de avanços na educação da enfermagem em saúde ambiental, foi desenvolvida a Tecnologia Educacional (TE) intitulada Ecosaúde para ensino na graduação de Enfermagem. Esta TE foi estruturada em roteiros, norteados pelo método World Café com a reprodução do ambiente de um café dialógico entre seus participantes10,11, para aplicação de dois estudos de casos, que se originaram de resultados obtidos de diagnósticos situacionais de saúde ambiental, realizados com profissionais de Unidades de Saúde da Família de localidades próximas ao cenário desse estudo. Este método World Café favorece a criação de um ambiente de aprendizagem em pequenos grupos e por meio da educação pelos pares, que têm apresentado resultados positivos no ensino de enfermagem, seguindo a lógica da Team-Based Learning12.
Nesse contexto, este estudo se faz relevante ao possibilitar que, com a sistematização e validação de uma metodologia de ensino para graduandos de enfermagem, estes experimentem uma abordagem socioambiental mediada por trocas de conhecimentos que estimulem suas capacidades críticas e ampliem suas percepções sobre questões contemporâneas de saúde e ambiente que afetam a população brasileira. Desta forma, o objetivo desse estudo foi validar o conteúdo da tecnologia educacional Ecosaúde para ensino sobre saúde ambiental com graduandos de enfermagem.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de estudo de desenvolvimento metodológico, descritivo, conduzido com 20 estudantes do Curso de Graduação em Enfermagem de uma Universidade Federal localizada na região da baixa litorânea do estado do Rio de Janeiro, Brasil. Este cenário do estudo foi selecionado por se reconhecer a importância de se repensar e criar novas formas de educar futuros profissionais da saúde, com vistas a capacitá-los frente aos desafios da saúde ambiental contemporânea, do nível local ao planetário. O curso selecionado apresenta uma matriz curricular que conta apenas com conteúdos relativos à saúde ambiental em duas disciplinas obrigatórias4.
Com base neste contexto, foi produzida uma tecnologia educacional para ser implementada durante uma aula teórica da disciplina obrigatória Enfermagem em Saúde Pública e Meio Ambiente, alocada no quinto período do curso de Enfermagem. A elaboração do processo metodológico (Tecnologia Educacional) de ensino sobre saúde ambiental incluiu a seleção de conteúdos norteados pela ementa da disciplina, evidências científicas e avaliações anteriores com resultados insatisfatórios acerca destes conteúdos aplicados nesta disciplina.
Todos os 20 estudantes que participaram do desenvolvimento da TE Ecosaúde concordaram em participar da pesquisa e assinaram o termo de consentimento. Assim, a população do estudo incluiu 7 estudantes que estavam cursando a disciplina durante o segundo semestre letivo do ano de 2017 (Turma 1) e 13 alunos inscritos nessa disciplina no primeiro semestre letivo do ano de 2018 (Turma 2). A coleta de dados ocorreu em dois momentos distintos, a saber: no mês de setembro de 2017 com a turma 1 e no mês de maio de 2018 com a turma 2 em sala de aula com duração média de 2 h. Em cada encontro foi aplicada a TE Ecosaúde, e em seguida, um instrumento de validação do conteúdo da TE, por meio de autopreenchimento pelos participantes.
Os critérios de inclusão foram: ser estudante com matrícula ativa e inscrito na disciplina obrigatória do curso de graduação em Enfermagem da Universidade Federal Fluminense, campus Rio das Ostras e possuir idade a partir dos 18 anos.
O presente estudo optou pela validação de conteúdo da TE Ecosaúde, segundo referencial de procedimentos teóricos e não psicométricos, em consonância com a vasta produção de conhecimento sobre validação de tecnologias educacionais para ensino de Enfermagem13-17.
O instrumento de coleta de dados do público-alvo foi um questionário adaptado17, que utiliza a escala de Likert com três blocos contendo itens avaliativos referentes ao conteúdo do processo educativo. O bloco I foi composto por 5 itens avaliativos referentes aos Objetivos que correspondem aos propósitos, metas ou fins que se deseja atingir com a utilização da tecnologia educacional. O bloco II foi composto por 6 itens avaliativos quanto à Estrutura e Organização, que se refere à forma de apresentar as orientações, incluindo organização geral, estrutura, estratégia de apresentação, coerência e formatação. O bloco III foi composto por 5 itens avaliativos referentes à Motivação que corresponde às características que avaliam o grau de significado educativo apresentado e à capacidade do processo educativo causar impacto, motivação e interesse. O instrumento também apresentou uma questão aberta ao final para que o participante incluísse observações gerais sobre a tecnologia.
A escala conteve quatro graus de valoração que variou de Totalmente Adequada (TA), Adequada (A), Parcialmente Adequada (PA) e Inadequada (I). Foi realizada análise estatística dos dados utili zando o Software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 21.0, agrupando-se as opções de respostas de TA, A, PA e I, nas quais TA e A foram consideradas respostas positivas (+1), e PA (zero) e I, consideradas negativas (-1). A resposta de cada participante poderia variar de negativa (-1) a positiva (+1), e quanto mais respostas próximas de +1, maior a concordância entre as respostas, no que se refere à conformidade do item (índice de concordância)(14, 17). Desta forma, os cálculos das médias de concordância de todos os itens de cada dimensão (bloco) foram realizados com base nas respostas dos participantes. O índice de concordância de cada item foi avaliado se atingiu o valor mínimo proposto pela literatura para a maioria das respostas (80%)13. Os itens que alcançaram médias inferiores ao esperado foram modificados no processo da TE. Esta última fase abarcou a adequação do conteúdo da TE com o propósito de melhorar a qualidade da estratégia metodológica utilizada para ensino-aprendizagem em saúde ambiental de graduandos de enfermagem.
Este estudo é parte integrante do projeto de pesquisa intitulado "Educação ambiental e Enfermagem: caminho para ética, sustentabilidade e a promoção da saúde" aprovado sob parecer n° 1.934.809 e CAAE n° 64111317.6.0000.5243 em fevereiro de 2017.
RESULTADOS
Participaram 20 estudantes de 18 a 35 anos, sendo 17 (67%) do sexo feminino. Em relação à validação de conteúdo da TE, quanto aos Objetivos, verificou-se que os escores TA e A somam-se 53, ou seja, 100% das respostas foram válidas e desses, 88% foram para TA e A. Quanto ao índice de concordância nesse bloco, foi obtido 0,90 para o maior índice e 0,85 para o menor índice, conferindo um índice de concordância acima da média de 80% (Tabela 1).
Quanto à Organização, verificou-se que os escores TA e A somam-se 107, ou seja, 100% das respostas foram válidas onde 89% foram para TA e A. Quanto ao índice de concordância nesse bloco, foi obtido 1,0 para o maior índice e 0,7 para o menor índice (Tabela 2). Quanto à Motivação, verificou-se que os escores TA e A somam-se 85, ou seja, 100% das respostas foram válidas com 87% dos blocos abrangendo TA e A. Quanto ao índice de concordância nesse bloco, foi obtido 0,95 para o maior índice, e 0,7 para o menor índice dos itens analisados (Tabela 3).
O somatório de todos os escores de cada valoração resultou em 245, sendo 143 para TA e 102 para A. Isso confirma a propensão às respostas concordantes entre os participantes para valoração TA de 58% e A de 42%.
DISCUSSÃO
Partindo do pressuposto que as práticas de ensino devem ser baseadas em evidências, esse estudo sobressaiu o quesito metodológico inovador de uma atividade educativa em saúde ambiental no contexto formativo do enfermeiro, pois a Ecosaúde demonstrou ser eficaz, atingindo seus propósitos quanto aos objetivos, organização e motivação.
A TE permitiu a aproximação da teoria com uma prática de ensino voltada para o conhecimento de problemas socioambientais de cenários de saúde comunitária próximos aos estudantes de Enfermagem. Tais problemas vivenciados pelos alunos foram utilizados como elementos constitutivos da estratégia pedagógica, otimizando o processo de ensino-aprendizagem em saúde ambiental, baseado na Aprendizagem Baseada em Problemas (ABP)18.
Um estudo apontou que as disciplinas de Enfermagem em saúde coletiva são as que têm buscado aproximar as questões ambientais com a Enfermagem1, porém, ainda de forma pouco aprofundada, segundo a visão dos estudantes participantes, existindo a necessidade de se incluir tais conteúdos de forma transversal no currículo da graduação.
Existem lacunas para o alcance de um currículo amplo de formação do enfermeiro, abrangendo as necessidades de saúde planetária e local, e que lhe oportunize a se tornar habilitado com competências e conhecimentos em saúde ambiental4. Neste sentido, as propostas político-pedagógicas desse currículo devem procurar implementar a interdisciplinaridade, a transversalidade de conteúdos atuais e as práticas de ensino centradas nos estudantes e em suas realidades7.
Diversos estudos18-22 mostram que distintas metodologias ativas de ensino (aprendizagem baseada em problemas, metodologia da problematização, simulações em cenários de prática, uso de mídias digitais, Team-Based Learning, etc.) têm sido delineadas pela busca da postura crítica, reflexiva e proativa dos estudantes de interferir no problema proposto.
A complexidade de situações de doenças, eventos e agravos à saúde relacionada às condições ambientais e riscos tecnológicos requer a incorporação de métodos ativos de aprendizagem que levem em consideração à percepção ambiental dos estudantes de enfermagem4.
Neste ensejo, os princípios da ABP coadunam com a perspectiva sistêmica socioambiental de formação atual do enfermeiro2, uma vez que, é centrada nos estudantes, objetivando a ampliação do pensamento crítico, da autonomia, da motivação para a aprendizagem, da capacidade de cooperação em equipe e de resolver problemas, e, assim, atender as necessidades de preparo de um profissional com conhecimentos e habilidades específicas4. Todavia, é mister capacitar professores e alunos para compreenderem e avaliarem esse método de ensino23.
A ABP é uma das metodologias ativas que tem sido bastante praticada no ensino superior de diversas profissões e em todas as regiões do mundo desde 1960, quando foi introduzida em um curso de graduação em medicina em McMaster University (Canadá). No Brasil, há achados da aplicação da ABP na graduação a partir de 199718,23.
No presente estudo, a ABP foi incorporada como parte fundamental do processo da Ecosaúde, a partir da deflagração de uma situação-problema pelo docente, de modo que pudesse despertar os saberes prévios dos educandos. Assim, esta TE foi conduzida pelos seguintes passos18: esclarecimento de dúvidas do texto do problema; definição e análise do problema; sistematização das hipóteses de causas e solução do problema; formular os objetivos da aprendizagem; utilização de fontes de informação; aquisição de novos conhecimentos; síntese de conhecimentos; e revisão de hipóteses iniciais para o problema.
As contribuições da ABP e de TE ao ensino de saúde ambiental na graduação em Enfermagem têm sido promissores, porém, sem a devida validação1,4. A validação de tecnologias para educação em enfermagem tem sido realizada predominantemente com temas focados na assistência clínica19-22.
Os resultados no que concerne aos objetivos da TE obtiveram 88% de concordância dos participantes. Alguns aspectos podem ser considerados para análise da avaliação da intencionalidade educacional pelos respondentes do estudo, tais como: a aplicabilidade e poder de transformação do cenário estudado e a natureza dos elementos disparadores da aprendizagem, que podem ser produtos ou situações-problema18.
No que se refere à organização, o item sobre o título alcançou satisfação por 70% dos participantes. Esta mesma pontuação de concordância ocorreu para o item à Interação é Convidada pelo processo, do bloco de Motivação da TE. Cabe explicitar sobre um aspecto limitador que consistiu na avaliação dos estudantes em um processo claramente subjetivo. Desse modo, estes dois itens foram revistos e foram feitas adequações que não influenciaram no conteúdo da Ecosaúde. As observações gerais pontuadas por 4 estudantes incluíram a solicitação de troca do título da TE e 2 emitiram elogios sobre a abordagem metodológica produzida para ensino do conteúdo em saúde ambiental.
Pondera-se sobre a importância de a validação de toda tecnologia educacional ser um processo contínuo, isso devido às melhorias, inovações e adaptações tecnológicas naturais vivenciadas14.
Este estudo apresenta como limitação a restrição da validação do processo metodológico somente com base no público-alvo de um cenário universitário, sendo preciso validar tal processo com o público de estudantes em outros cenários de estudo e tambem com juizes-especialistas.
CONCLUSÕES
A TE Ecosaúde foi válida em seu conteúdo pelo público-alvo. Os resultados apontam usabilidade da tecnologia e boa capacidade de gerar interação e motivação para aprendizagem sobre problemas comuns de saúde ambiental e possíveis ações profissionais para prevenir e mitigar tais problemas frente a cenários de elevada vulnerabilidade socioambiental em países latino-americanos.
Nesse sentido, a estratégia pedagógica de ensino em saúde ambiental abordada nesse estudo conseguiu romper uma prática educativa baseada em metodologias meramente informacionais e instrumentais e buscou produzir discussões relativas às necessidades humanas, à percepção e à atitude ambiental em contextos que se estendem pelos territórios do nível local até o global.
Ademais, os resultados deste estudo podem contribuir para a replicação da TE Ecosaúde no mesmo cenário e em outros similares ao do estudo, além de subsidiar a implementação de ações de ensino de qualidade sobre questões ambientais e de sustentabilidade e suas relações com a saúde humana e de mudanças curriculares dos cursos de graduação em Enfermagem.
Neste raciocínio, este estudo configurou-se como inovador e relevante para o cenário da ciência sobre a educação em enfermagem em saúde pública, particularmente, da enfermagem em saúde ambiental. Espera-se que a TE Ecosaúde possa apoiar o ensino da enfermagem em saúde ambiental à luz de referenciais de metodologias ativas efetivas.