INTRODUÇÃO
A Escola de Enfermagem Hermantina Beral do (EEHB) foi criada como uma instituição estadual, pelo Decreto n° 1.751, de 03 de ju nho de 1946, e inaugurada em 8 de março de 1947. Foi à terceira escola de enfermagem do estado de Minas Gerais/Brasil, implantada com o objetivo de formar enfermeiras para atender à demanda de capacitação de pro fissionais para o exercício de atividades que exigiam novos conhecimentos e novas abor dagens no tocante à assistência em saúde, na época, com enfoque no âmbito hospitalar 1,2. A EEHB seguia os critérios de funciona mento legalmente estabelecidos no Brasil, dando continuidade ao processo de difusão da Enfermagem Moderna no país. Dentre as características das escolas de enfermagem criadas conforme o modelo oficial vigente estava à incorporação de emblemas e ritu ais, como elementos simbólicos constituintes da formação profissional 3. Assim ocorreu com as escolas de enfermagem criadas no estado de Minas Gerais que antecederam a EEHB, que foram a Escola de Enfermagem Carlos Chagas (EECC), criada em 1933, e a Escola de Enfermagem Hugo Werneck (EEHW), criada em 1942, ambas na cidade de Belo Horizonte 4-6.
Um importante emblema instituído nes sas escolas foi o uniforme de alunas e de pro fessoras/enfermeiras, que continha elemen tos representativos da imagem da enfermei ra que se inseria na sociedade, dos quais se destaca o vestuário e seus elementos como a touca, o broche e o avental que funcionavam como um meio de comunicação e identifica ção, inclusive hierárquica sobre aquele grupo de alunas 7,8.
A EEHB instituiu desde a sua primeira turma, uniformes para alunas e professoras, que guardavam semelhança com os unifor mes utilizados em outras escolas do Brasil, de onde vieram suas primeiras dirigentes e pro fessoras. Do início de seu funcionamento até o ano de 1964 as alunas não utilizavam uni forme em sala de aula. Usavam um uniforme nas atividades práticas hospitalares e outro nas atividades práticas de saúde pública 5.
O uniforme é uma vestimenta comum a toda uma categoria, confeccionado segundo um modelo oficial que pode variar na cor, forma e textura, de acordo com a época. O uniforme busca identificar as pessoas dentro de um ambiente institucional (escola, hospi tal, convento, entre outros) e confere auto ridade, respeito, status perante a sociedade 9,10. Contraditoriamente, distingue os uniformizados entre si através de modelos, cores, emblemas e brasões, que muitas vezes expressam posições hierárquicas que são, ao mesmo tempo, separatistas e discriminató rias 11,12.
Assim, o objeto de estudo é o vestuário de alunas da EEHB de 1947 a 1965. O marco inicial é o ano de 1947 quando a escola inicia seu funcionamento e o marco final é o ano de 1965 quando o uniforme de aluna é modifi cado e a touca é retirada desse vestuário. Os objetivos foram: descrever o vestuário/uni forme usado pelas alunas da EEHB e analisar sua relação com a construção da identidade profissional da enfermeira diplomada nessa escola no período do estudo.
O estudo é relevante para a compreensão do significado do vestuário da enfermagem, ao longo dos anos, e da influência do mesmo na construção da identidade profissional da enfermeira diplomada na cidade de Juiz de Fora e no Brasil. A pesquisa contribui para a produção científica sobre o vestuário da enfermagem, rica na literatura internacional, porém ainda incipiente em nosso país, que vem ampliando a pesquisa sobre o tema.
MÉTODO
Estudo histórico-social, descritivo. Como base teórica utilizou-se o pensamento do sociólogo francês Claude Dubar, acerca da construção da identidade profissional em que apresenta a identidade sendo formada numa trajetória de vida, sempre num pro cesso de construção/desconstrução e re construção 13. O estudo se vale também de obras que abordam a moda e o vestuário, com destaque para o sociólogo francês Ro land Barthes, inaugurador da vertente que estuda a moda como signo de sociedade. O autor considera o vestuário uma linguagem abstrata, que carrega em si aspectos práticos e simbólicos que permitem comunicar infor mações sobre quem o está usando, sua época e influência. Utilizado como interface entre o corpo humano e o meio em que se vive (cul tura, sociedade, economia), suas funções são múltiplas e suas origens são complexas, não podendo ser reduzido unicamente à sua fun cionalidade 14,15.
As fontes primárias incluíram documen tos escritos, iconográficos e orais. Os docu mentos escritos pertencentes a Universidade Federal de Juiz de Fora, como: livros de regis tros, ata de formatura da primeira turma da EEHB e Registro Académico; Ofícios sobre EEHB localizados na Gerência Regional de Saúde de Juiz de Fora (GRS-JF); Legislações e reportagens jornalísticas, publicadas no Jornal Diário Mercantil e Relatórios da Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (SCM-JF).
As fotografias que contém o registro dos uniformes usados na EEHB no recorte tem poral do estudo. As fotografias foram busca das nos jornais da época e nos acervos pes soais das colaboradoras deste estudo. Além disso, o estudo contou com oito colabora doras: duas ex-professoras e seis ex-alunas da EEHB, através da técnica da história oral temática, com um roteiro pré-estabelecido para cada colaborador, testemunharam os eventos relacionados ao objeto de estudo 16,17. A participação na pesquisa respeitou os princípios éticos estipulados pela Resolução n° 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, aprovado no Comité de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery/Hospital Escola São Francisco de Assis (EEAN/HES-FA), pelo parecer 168.815/ 2012.
As entrevistas, realizadas no segundo se mestre de 2013, se deu nas residências ou local de trabalho das colaboradoras, de acor do com a disponibilidade e conveniência de cada uma. A média de duração das entrevis tas foi de trinta minutos. A identificação das colaboradoras no texto se deu pela letra C se guida do número ordinal referente à ordem de realização da entrevista (C1, C2...).
As fontes secundárias compreenderam artigos, livros, teses e dissertações referentes à história da enfermagem, em especial a his tória da EEHB, história do Brasil e também aquelas referente ao vestuário, em especial aos uniformes de enfermeiras, moda e iden tidade profissional.
As fontes foram analisadas utilizando-se o método indutivo que parte de uma postu ra crítica aos documentos, estabelecendo as relações com o contexto histórico social em que estavam inseridos. A análise dos dados e a discussão dos resultados apoiaram-se no referencial teórico do estudo.
RESULTADOS
Vestuário e a construção da identidade da aluna da EEHB
A primeira turma da EEHB, que tinha 8 alu nas, começou suas atividades estudantis no mês de março de 1947. As aulas teóricas eram ministradas nas salas de aula localizadas na sede da escola. Para esta atividade não era exigido o uso de uniforme, conforme afirma a colaboradora C6 (2013):
Na sala de aula a gente não usava uniforme, era roupa comum.
Quanto às professoras da EEHB, estas usavam o uniforme de enfermeira diploma da, estipulado em sua escola de formação conforme relato:
Tinha sim. O [uniforme] das professoras era de linho branco, mas não era igual ao nosso. Tinha uma professora lá da Anna Nery [Escola de En fermagem Anna Nery], Maria Helena Guedes. Ela usava um uniforme branco depois ela deu aulas de saúde pública também, usava o unifor me azul marinho (C1, 2013).
Após o período de ensino básico teórico em sala de aula, as alunas eram encaminha das para as enfermarias da Santa Casa de Mi sericórdia de Juiz de Fora (SCM-JF), campo prático da escola, onde eram desenvolvidos procedimentos de enfermagem, bem como o aprimoramento de atitudes profissionais de sejáveis no cotidiano assistencial.
Neste momento, passavam a utilizar o uniforme instituído pela escola que foi assim descrito pelas colaboradoras:
O uniforme era um vestido inteiriço, de fustão branco, aberto na frente com dois botões, com bolso, de manga curta. Na manga tinha o sinal do ano que a pessoa estava cursando. Eram três sinais porque o primeiro ano já contava, sendo o comprimento abaixo do joelho (C2,2013). O uniforme da escola constava de um vestido de fustão branco tipo evasê [a saia]. O compri mento era bem abaixo do joelho. Meias brancas e sapato branco e um avental que cruzava atrás (C5, 2013).
As divisas na manga do vestido da aluna eram um sinal de identidade e hierarquia. In dicavam além da instituição, o ano cursado o que diferenciava o uniforme da EEHB dos uniformes de outras instituições, a exemplo da EECC que, ao invés da divisa, tinha uma braçadeira com a Cruz de Malta na manga do vestido.
Os uniformes utilizados na EEHB estavam carregados de simbolismo e tradição em seus detalhes, tais como, a manga curta da blusa, a saia evasê do vestido, e o avental amarrado nas costas. Na cerimónia de formatura ob-servou-se a diferença entre as toucas da diretora e da formanda. A diretora usava a touca de sua escola de formação (EECC) enquan to a aluna utilizava a touca de diplomada da EEHB, possibilitando uma distinção e iden tificação das enfermeiras na cidade de Juiz de Fora, por explicitar, através da linguagem não-verbal a escola de formação de cada uma em sinal de respeito e preservação da identi dade das escolas. Do mesmo modo, a touca de aluna era uma importante marca de hie rarquia e identidade no uniforme da EEHB. Assemelhava-se à touca utilizada pelas alunas do curso geral da EECC na década de 1940, ou ao uso do véu utilizado por religiosas, como na parte inferior da fotografia a seguir, na qual a touca em destaque é de aluna:
A touca era um acessório que compunha o uniforme utilizado pelas alunas durante as atividades práticas, estágios, nas solenidades da escola e em outras ocasiões formais em que se apresentavam enquanto grupo repre sentante de uma instituição de ensino. Como símbolo da enfermagem, a touca também exigia como característica funcional, os cabe los presos em rede, numa denotação do zelo com a higiene.
É importante destacar que, até aquele mo mento, na cidade de Juiz de Fora não havia outras escolas para formação de enfermeiras. Há registros sobre possibilidade de retirada da touca na EECC, acessório que desagrada va parte das alunas. A fala das ex-alunas da EEHB demonstrara a insatisfação quanto ao seu uso devido ao modelo, à dificuldade de cuidar e engomar o acessório e por asseme lhá-las às religiosas:
A gente ria porque nós não gostávamos muito da touca, não! Parece que a gente estava com um "pegador de borboleta". Não gostávamos por causa da ponta comprida que caía sobre os ombros e também porque a gente ficava pare cendo freira. (C1, 2013).
A escola manteve características da vesti menta, inclusive o uso da touca no ambien te hospitalar, até o ano de 1965, perfazendo um período de 18 anos sem que fossem feitas alterações, entendido como fator de consoli dação da identidade da enfermeira naquela instituição.
Para as atividades práticas de saúde públi ca, até meados de 1967, o uniforme das alu nas da EEHB era composto por saia e blazer na cor azul marinho, blusa branca, meias da cor da pele e sapatos pretos, de acordo com a ilustração a seguir, feita a partir das descri ções feitas pelas colaboradoras.
Na Figura 3 visualiza-se os detalhes da roupa: saia estilo envelope, mais ajustado ao corpo do que o uniforme utilizado nas prá ticas hospitalares. Na parte posterior da saia, da altura dos quadris até o joelho, havia uma abertura que possui duas dobras idênticas e viradas para dentro, como se fosse uma caixa. A prega macho permitia o alargamento da roda da saia acima dos joelhos e dava às alu nas maior flexibilidade de movimentos para subir escadas e fazer caminhadas, atividades frequentes da enfermeira de saúde pública durantes as visitas domiciliares.
Sobre o uniforme na saúde pública, tem-se que a blusa era semelhante a uma camisa, com manga curta, gola esporte, fechada na frente por botões, sendo que a cor destes não foi especificada pelas colaboradoras. O blazer era azul marinho, gola tipo colarinho, com botões (as colaboradoras não souberam pre cisar quantos botões eram utilizados, nem a cor dos mesmos), meias de seda cor da pele, sapatos pretos, fechados e uma maleta na cor preta. Os cabelos deveriam ser mantidos ali nhados, mas não se usava nenhum acessório na cabeça:
[...] blusa branca, saia justa, azul marinho com um machinho atrás ou uma abertura e um bla zer também na cor azul marinho. Sapato abo tinado, preto e meia cor da pele. Na cabeça não usávamos nada (C9, 2013).
Compondo o uniforme de saúde públi ca, em dias frios, as alunas utilizavam blusa de mangas compridas, não sendo exigido um modelo padrão, porém a cor tinha que ser branca como descrito pela colaboradora C9 (2013), aluna que ingressou no curso em 1965:
Tinha que ser blusa de lã branca. Podia vestir blusa de frio, mas branca! Fazia bastante frio naquela época.
O trato com os uniformes, incluindo seus acessórios era uma forma de se manter vivo o significado simbólico desse tipo de vestuário. A exigência de manter os uniformes sempre em boas condições, limpos e engomados le vava a uma especial dedicação aos mesmos. As alunas da década de 1950 assim comen taram:
A gente lavava na escola. Era uma dificuldade. Ficava tudo amarelo. À noite me lembro de al guém passando a roupa (C3 2013).
Com o passar dos anos as alunas que mo ravam no internato, continuavam relatando as dificuldades no trato com os uniformes, o que se confirma no seguinte relato da aluna do ano de 1961:
Dava trabalho cuidar deste uniforme! Tinha que engomar! E quem podia ter mais de um ainda era mais fácil. Mas eu, por exemplo, só pude ter um! Então, todo final de semana a gen te tinha que lavar e engomar direitinho! (C6, 2013).
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
No Brasil, nas primeiras décadas do sécu lo XX, ocorreu a implantação de uma nova identidade de enfermeira não religiosa, ape sar da religiosidade presente nas primeiras líderes brasileiras da enfermagem 12.
Entre as décadas de 1940 e início de 1950, estudos apontam que o uniforme de Saúde Pública da EEAN era composto de saia azul marinho até a altura do joelho, modelo godê que permitia a liberação do movimento pelo número de franzidos e blusa branca man tida para fora da saia com o punho na al tura da foça cubital. Um chapéu preto tipo cowboy, meias e sapatos pretos e a maleta para transporte do material eram os aces sórios que completavam este uniforme da EEAN, o qual a professora manteve usando na EEHB 18-21. Embora não fosse exigi do um uniforme nas aulas teóricas, não era qualquer roupa que a aluna poderia usar na escola. Seu vestuário estava restrito ao vesti do, dentro dos padrões morais de vestuário da época, que exigia das mulheres o uso de roupas mais sóbrias e tecidos mais rústicos 18,21-23.
Enquanto estrutura verbal, o vestuário escrito representa-se transformado em lin guagem, em que as palavras carreiam junta mente com os traços indumentários já cons truídos, um sistema de significação revelada através do recurso da linguagem 14. Apesar de expressa em palavras, a roupa continua a preservar a neutralidade da descrição, entre tanto ao associarem a formação da identi dade das alunas da EEHB (22), as colabora doras imprimem a elas sentido, significado, história (15). Cabe aqui destacar ainda, a importância do vestuário escrito no sentido de que "existem funções específicas da lin guagem das quais a imagem não poderia dar conta independente de seu desenvolvimento na sociedade contemporânea" 14.
O vestuário é confeccionado com uma matéria prima que geralmente é o tecido, produzido para atender aos diferentes usos na sociedade. O uniforme é um tipo de ves tuário constituído por peças que compõem o traje (saia, blusa, calça, vestido, capa) e por acessórios que servem para fixá-los ou com plementá-los (chapéu, véu, broches, etc.). Confeccionado com suas formas e seu sim bolismo ganha finalidades diversas e signifi cação na sociedade 14.
Observa-se que as alunas ao usarem suas vestimentas particulares em sala de aula, também estavam sujeitas a uma limitação imposta pela escola. O grupo de alunas era em maioria constituído de jovens e adoles centes em processo de formação, fase em que um conjunto de atitudes como o hábito de vestir-se, comer, bem como o modo de agir; e práticas cotidianas passam a ser "incorpo rado pelo indivíduo para dar forma material à construção de uma identidade baseada na individualidade" 24. Este processo de so cialização das alunas, através da incorpo ração de um "saber de base", assegurava em simultâneo 'a posse subjetiva de um eu e de um mundo', consolidando os papéis sociais que elas deveriam incutir em sua identidade profissional 15,25.
As professoras ao usarem o uniforme cor respondente à sua escola de formação torna-vam-se uma referência identitária e mostra va para as alunas da EEHB o sentimento de pertença à categoria de Enfermeira Diploma da, dando exemplo de que deveriam usar o uniforme de sua escola depois de formadas. Nesse sentido, construía-se uma ética e uma estética, subjacente ao esforço de ensinar às alunas como deveriam se comportar como enfermeiras, ensinavam-se gestos, posturas, modos da identidade da enfermeira espera da. Sendo assim, a roupa que constitui o uni forme, não só cumpre um papel biológico de proteção, mas também sociológico e antro pológico 18. O vestuário, no sentido da ves timenta, desempenha papel importante na construção social da identidade. Todavia, es sas identidades se reproduzem e se transfor mam pela própria dinâmica social, fazendo com que sua dimensão profissional adquira uma importância particular por também condicionar a construção das identidades so ciais 13.
A cor branca instituída nos uniformes das enfermeiras hospitalares no Brasil, a partir da década de 1920, apresentou variações no transcorrer de sua trajetória histórica pelo país, mas foi preferencialmente usada nos uniformes de enfermeiras e demais profissio nais na área da saúde, sendolhe atribuída re ferências à pureza, clareza, higiene, limpeza e paz 26,27. Assim, traz um forte poder sim bólico de higiene e saúde que, culturalmen te, é esperado que seja usado pelos médicos, odontólogos, enfermeiros, por aqueles que tratam a pessoa doente 26,28. Mas, o uso dessa cor nas roupas veio carregado de dife rentes significados, de pureza à homogenei zação e distinção de classe e status (29, 30).
As diferenças produzidas pelos acessórios presente no uniforme de alunas da EEHB eram a marca da identidade destas, embora aspectos semelhantes como o comprimento até os joelhos e a sobriedade fossem guarda dos por todos os outros modelos adotados pelas escolas de enfermagem da época, como a EECC e a EEAN. Não obstante, todos os uniformes demarcavam a hierarquia entre as alunas e entre estas e as diplomadas.
A touca, desde a implantação da enferma gem moderna no Brasil, foi um dos símbo los da enfermagem com um significado inti mamente ligado aos valores religiosos como distinção, recato, sobriedade, bem como aos valores e compromissos exigidos para o exercício da profissão de enfermagem 7. O significado atribuído à touca "era o domínio de si mesma e a devoção à causa da Enfer magem" 3. Nesse sentido, "a touca das alu nas sempre esteve impregnada de forte valor simbólico, uma vez que representava a mís tica da profissão, definida como valor essen cial, e constituía simultaneamente estratégia de igualdade e distinção do grupo" 3.
Se por um lado era também uma forma de minimizar os atributos femininos presentes nos cabelos das mulheres, que concentram vários significados: "os cabelos são a mulher, a carne, a feminilidade, a tentação, a sedução, o pecado" 30.
O cuidado com os uniformes e os acessó rios, entre eles a touca e os sapatos, faziam parte do cotidiano das alunas de outras esco las de enfermagem anteriores a EEHB. Cita mos a EEAN e a EECC, escolas que contribu íram para reprodução de comportamentos como zelo e amor ao uniforme, que deveria ser usado não somente como uma vestimen ta que cobria o corpo, mas impregnado de uma simbologia que gradativamente foi sen do incorporada pelas alunas de enfermagem e enfermeiras diplomadas 7,22.
Ao analisar as fontes orais é possível afir mar que as alunas, além das atividades de estudos que comprometia boa parte do dia, também tinham a responsabilidade de cui dar dos uniformes e mantê-los limpos e en gomados. Atividades que também deman davam tempo e zelo, concorrendo para a construção da identidade profissional, onde se estabelece a responsabilidade com a ima gem também representada pela condição do vestuário. Através desse processo de cuidar do uniforme as estudantes experimentavam tipificações identitárias em um ambiente no qual relações simbólicas e materiais se efeti-varam concretamente.
A trajetória empreendida pela EEHB le vou a escola a ser reconhecida e respeitada na sociedade onde existia. Ocupou espaços tanto no meio acadêmico quanto na área da saúde, especialmente na SCM-JF, que merece ser destacada pelo interrelacionamento que estabeleceu com a Escola ao oferecer espaço para a realização de atividades acadêmicas e para o exercício profissional, com a contra tação de enfermeiras diplomadas pela EEHB 5. Deste modo temos que "o espaço de re conhecimento das identidades é indissoci ável dos espaços de legitimação dos saberes e competências associados às identidades. A transação objetiva entre os indivíduos e as instituições é essencialmente a que se organi za em torno do reconhecimento" 13.
Os diversos espaços sociais vivenciados pelas alunas e professoras da EEHB no co tidiano da vida escolar, na sociedade de Juiz de Fora e nas outras cidades que comparti lharam o processo de formação acadêmica, possibilitaram a concepção de uma identida de profissional e social, concretizada ao lon go dos anos, permitindo o reconhecimento da enfermeira como profissional qualificada pertencente à equipe de saúde.
O desenvolvimento desta pesquisa pos sibilitou descrever o uniforme enquanto componente significativo para a formação e afirmação da identidade do grupo de en fermeiras diplomadas pela EEHB no período de 1947 a 1965. Permitiu também, descrever, através dele, todo um contexto social e cultu ra reinante à época na cidade de Juiz de Fora.
Ao buscarmos descrever os uniformes da EEHB foi possível verificar com este estudo, o quanto esse tipo de vestuário é significativo para quem o usa e a sua representação sim bólica, que permite a lembrança de todo o contexto que envolve o seu uso, seja referen te ao cotidiano institucional ou aos aspectos políticos, sociais e culturais da região.
Os uniformes de alunas da EEHB, como fragmento de um universo chamado "ves tuário", contribuíram para a identificação de uma categoria profissional em formação, transmitindo tanto uma imagem quanto uma linguagem emblemática para alunas, professores e demais profissionais que com partilharam do mesmo momento histórico e social, uma vez que transmitiam novos con ceitos da ciência, da técnica e de um ideal de assistência à saúde a ser prestado à popula ção.
As fontes do estudo, bem como o refe rencial teórico, permitiram descrever os primeiros uniformes (hospitalar e de saúde pública) utilizados pelas alunas da institui ção, bem como evidenciar que os mesmos se assemelhavam aos utilizados pelas escolas de referência na época, a saber: EEAN e EECC, o que representa a reprodução do modelo vi gente á época.