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Ciencia y enfermería

versión On-line ISSN 0717-9553

Cienc. enferm. vol.22 no.3 Concepción set. 2016

http://dx.doi.org/10.4067/S0717-95532016000300061 

INVESTIGACIÓN

ADOLESCER E ADOECER NA PERSPECTIVA DE JOVEM E FAMÍLIA

TO BE AN ADOLESCENT AND SICKEN IN THE YOUTH'S AND FAMILY'S PERSPECTIVE

SER UN ADOLESCENTE ENFERMO EN LA PERSPECTIVA DEL JOVEN Y DE LA FAMILIA

Itala Paris De Souza 1  

Roseney Bellato 2  

Laura Filomena Santos De Araüjo 3  

Karla Beatriz Barros De Almeida 4  

1 Enfermeira. Mestranda em Enfermagem. UFMT, Programa de Pós Graduação, GPESC. Cuiabá, MT - Brasil. E-mail: italaparis@hotmail.com

2 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora. UFMT/FAEN, GPESC. Cuiabá, MT - Brasil. E-mail: roseneybellato@ gmail.com

3 Enfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora. UFMT, Faculdade de Enfermagem - FAEN. Líder do GPESC. Cuiabá, MT - Brasil. E-mail: laurafil1@yahoo.com.br.

4 Enfermeira. Mestre em Enfermagem pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da FAEN/UFMT. Cuiabá, MT, Brasil. E-mail: karlinha_bba@hotmail.com

RESUMO

Objetivo:

Este estudo busca enfatizar a vivência do adolescer concomitante ao adoecer através de linha de ado ecimento e desenvolvimento de jovem que, na adolescência, experienciou a instauração de condição crónica por agravos concomitantes -doença renal e câncer.

Método:

Pesquisa de abordagem compreensiva, modelado como estudo de situação, através da História de Vida, operacionalizada por Entrevista em Profundidade e ob servação de campo; sendo sujeitos do estudo um jovem adoecido e alguns membros de sua família.

Resultados:

O desenho de linhas imbricadas do adoecimento e do adolescer possibilitou compreender as diferentes fases da condição crónica por agravos concomitantes e suas significativas repercussões para a vida do jovem. Dessa imbricação entre o adolescer e o adoecer, emergiram diversos enfrentamentos mediante as modificações físico-biológicas, comportamentais e sociais vivenciadas, configurando essa experiência única e complexa.

Conclusão:

Tal compreensão se mostra importante aos profissionais de saúde, de modo que busquem atender as necessida des do ser humano em desenvolvimento como um todo, não apenas as manifestações da doença.

Palavras chave: Neoplasias; adolescente; família; enfermagem.

ABSTRACT

Objective:

This study seeks to highlight the experience of being an adolescent and concomitantly suffer a chronic condition. The study focuses on a teenager who experienced the establishment of a chronic condition due to concomitant aggravations -kidney disease and cancer during adolescence.

Methodology:

A comprehensive study modeled as a situational analysis of Life History was performed by means of in-depth interviews and field observations. The test subjects were a teenager suffering from a chronic disease and some of his family members.

Results:

By intertwining the realities of suffering a chronic condition and going through adolescence, we were able to understand the different stages of said chronic condition due to concomitant aggravations and its significant impact on the life of the teenager. Several conflicts emerged from this overlap of adolescence and disease due to physical, biological, behavioral, and social changes; which make such experience complex and unique.

Conclusion:

This understanding proves important to health professionals allowing them to holistically meet the needs of a developing human being and not only pay attention to the manifestations of the disease.

Key words: Neoplasia; adolescents; family; nursing.

RESUMEN

Objetivo:

En este estudio se pretende dar a conocer la experiencia de ser un adolescente concomitante de caer enfermo a través de la línea de enfermedad y desarrollo del joven, que en la adolescencia ha experimentado el establecimiento de una condición crónica con enfermedades concomitantes: dolencia renal y cáncer.

Método:

Investigación con enfoque integral modelado como estudio de situación mediante la Historia de Vida, realizada por la Entrevista en Profundidad y observación de campo; el sujeto de estudio fue un joven enfermo y algunos miembros de su familia.

Resultados:

El diseño de líneas entrelazadas de la enfermedad y del adolescente ha per mitido entender las diferentes etapas de la condición crónica resultante de las enfermedades concomitantes y su impacto significativo en la vida de los jóvenes. De este entrelazamiento entre el adolescente y la enfermedad surgieron varios enfrentamientos por los cambios físicos y biológicos, ajuste conductual y social, vividos en esta experiencia compleja y única.

Conclusión:

Tal entendimiento es importante para los profesionales de la salud, permitiéndoles satisfacer las necesidades del ser humano en desarrollo en su conjunto, y no sólo las manifesta ciones de la enfermedad.

Palabras clave: Neoplasias; adolescentes; familia; enfermería

INTRODUÇÃO

A infância é a fase da vida que traz como característica marcante o desenvolvimento físico, neuropsicomotor, psicossocial, psicos-sexual e cognitivo, o que reflete, por sua vez, significativas mudanças comportamentais 1). Tal desenvolvimento abarca forte influ ência hereditária e ambiental que perpassa diferentes processos, provocando aumen to da capacidade do ser humano de realizar funções cada vez mais complexas 1).

É esperado que a criança se desenvolva dentro de certos padrões de normalidade; entretanto, na vivência de um adoecimento, particularmente o agravo crónico, seu com portamento pode se modificar, expressando sentimentos de medo, culpa, angustia, apatia e ameaça à sua rotina diária. Tais modifica ções são decorrentes, dentre outros, das limi tações de atividades físicas, frequentes hos pitalizações, separações do convívio de seus familiares e ambiente doméstico 2.

Também o adolescente, inserido na uni dade familiar, vivencia as peculiaridades pró prias desta fase da vida e desenvolve diversos enfrentamentos mediante as modificações biológicas, comportamentais e sociais que configuram o adolescer, como experiência única e complexa. Destarte, a transição entre a infância e o estabelecimento da identida de adulta se constitui num dos períodos de maior complexidade do desenvolvimento humano 3,4.

A adolescência se caracteriza por ser uma fase em que a saúde, o bem estar e a vida es tão fortemente engajados 5, o que impede os adolescentes, em sua maioria, de associar juventude a adoecimento e hospitalização, visto que, de modo geral, são relativamente saudáveis. Porém, por ser considerada um período psicologicamente complexo, alguns fatores característicos parecem ser acentua dos e até agravados quando associados ao adoecimento 1.

Dentre os modos de adoecer, ressaltamos aquele que se constitui em situação crónica, visto sua permanência por tempo mais ou menos prolongado e a exigência de cuidados contínuos; e, ainda, tal situação requer com preendermos o contexto de vida e os circui tos de vulnerabilidades 6 em que se inse rem a pessoa adoecida e sua família.

É no bojo da situação crónica que busca mos compreender os afetamentos produzidos no viver da pessoa adoecida, particularmente mais intensos por se tratar de uma criança-a-dolescente, cujo adoecimento 'transversou' o período de sua formação -física, psicológica e social. Assim, o que pretendemos mostrar é a maneira intrincada do adoecer se dar em concomitância com o adolescer.

Para compreender o adoecimento crónico na adolescência é importante apreender as características singulares do modo próprio de vida do adolescente, já que o adoecimento pode se constituir numa experiência difícil e complexa, podendo deixá-lo, então, fragiliza do 7. Ademais, a maneira como acontecerá o enfrentamento do adoecer tem relação com a magnitude da doença quanto ao processo patológico em si e as limitações que impõe ao viver do adolescente, como a diminuição ou interrupção de atividades físicas e aquelas que compõem sua vida cotidiana e escolar, afetando-lhe, sobremaneira, os projetos fu turos. Essa experiência é, ainda, influenciada pela capacidade de o adolescente e sua famí lia lidarem com a situação, dentre outros as pectos 8.

Mediante os inúmeros afetamentos que o adoecimento crónico produz na vida do adolescente e de sua família, trazendo ne cessidades ampliadas de cuidado e impondo a garantia do substrato essencial para que esse cuidado aconteça de modo continuado e prolongado, assumimos que essa vivência, pessoal e familiar ao mesmo tempo, consti-tui-se em uma "situação crónica de adoeci mento" 9. No bojo dessa situação, apreen demos a família como unidade cuidadora in dispensável, que se reorganiza no propósito de empreender esforços na busca, produção e gerenciamento do cuidado cotidiano exigido pelo adolescente adoecido 10.

Assim, neste estudo busca enfatizar a vi vência do adolescer e adoecer é apresentada por meio de linha de adoecimento e desen volvimento de jovem que, na adolescência, experienciou a instauração de condição cró nica por agravos concomitantes -doença re nal e câncer.

O caráter inovador do estudo se faz em relevar o cuidado centrado na pessoa, como aponta a Organização Mundial de Saúde, priorizando as dimensões humanas em saú de na complexidade do viver 11. Tal com plexidade está "associada à necessidade de garantir uma abordagem holística que con sidere aspectos físicos, emocionais e sociais, o passado e o futuro de cada um e as realida des do contexto em que cada indivíduo vive" 11.

Para a produção de práticas em saúde mais efetivas e duradouras, faz-se importante que os profissionais de saúde se aproximem da experiência de vida de cada pessoa cuidada, a fim de melhor acolher suas necessidades. Assim, este estudo, pela descrição minucio sa que faz, permite conhecer a imbricação das diferentes fases da adolescência com a instauração do adoecimento, experienciado de forma peculiar pelo jovem e sua família; permite ainda destacar o esforço da família que empreendeu árdua busca por cuidados requeridos pelo jovem. Desse modo, possibi lita aos profissionais de saúde compreender como o adolescente em adoecimento perce be, vive e reage diante dos muitos afetamen-tos em sua vida, dando-lhes subsídios para conceberem práticas que busquem respon der às necessidades do ser humano em de senvolvimento como um todo, e não apenas as manifestações da doença.

MÉTODO

Guiamo-nos pela abordagem compreensi va, pois permite apreender, de forma mais alargada, as experiências vividas pelas pesso as, suas relações e percepções, bem como os contextos peculiares do cotidiano em família. Dessa forma, centramo-nos na apresentação do "como as coisas passam e se passam, em descrição minuciosa das situações vivencia-das pelas pessoas" 12.

Em consonância com tal abordagem, foi realizado um "estudo de situação", por nos possibilitar perceber a situação e contexto peculiares de vida dos participantes do estu do, principalmente ao longo do período de adoecimento e cuidado 9.

O corpus de análise foi composto por meio da História de Vida (HV), operacionalizada pela Entrevista em Profundidade (EP) 13, realizada através de diversos encontros com um jovem de 21 anos, Marco, e alguns mem bros de sua família -seu pai Olavo, sua mãe Rita e sua tia Lair-, referências importantes para o jovem, segundo ele próprio. A entre vista, do tipo aberta, foi conduzida como uma conversa interessada, guiada pela ques tão norteadora "conte-nos como tem sido a sua experiência de adoecimento e busca por cuidados". Assim, indagações foram realiza das, conforme o desenvolvimento da reme moração do vivido pelos entrevistados, com aprofundamento paulatino dos fios narrati vos 13 que se mostravam de maior interes se para o estudo.

Foram realizados onze encontros de en trevista de março a maio de 2011 em Cuiabá-MT, onde mora a família da tia Lair; em Cidade A, onde residiu Marco com sua famí lia; e em Cidade B, onde Marco residia com irmãos e primo. A entrevista com gravação de voz foi acompanhada pela observação de campo e pelo registro de filmagem e fotogra fia. Este material foi organizado no Diário de Pesquisa, composto por 212 páginas digita das, e consistiu em nosso corpus de análise.

A leitura atenta e intensiva do corpus nos direcionou ao objetivo proposto, ou seja, enfatizamos nas narrativas, em realces colo ridos, os elementos que apontassem para a vivência do adolescer em concomitância ao adoecer. A partir desses realces, ordenamos, cronologicamente, as narrativas e os eventos no curso da vida do jovem, desenhando uma linha que demarcava as fases do seu desen volvimento e do seu adoecimento1. Enfati zamos, então, em cores diversas, o período da adolescência em que o agravo renal que o afetava desde a tenra infância segue em concomitância com a instauração do câncer linfático não Hodgkin a partir dos 14 anos. Posteriormente, realizamos a ordenação das narrativas, segundo os sentidos inicialmente apreendidos.

A releitura desse ordenamento nos pos sibilitou construir um quadro descritivo-a-nalítico do adoecimento e desenvolvimen to (Figura 1). Nele expusemos, em colunas enumeradas de um a quatro, a escansão tem poral dos acontecimentos expressa em idade do jovem e ano do ocorrido. Expusemos, en tão, em linhas, os eventos relevantes destas vivências, sendo elas: 1a. Linha Temporal do adoecer por câncer e problema renal, eviden ciando sua sequência e/ou concomitância na vida de Marco; 2a. Progressão do Adoeci mento (A) e as intervenções médicas a que Marco foi submetido; 3a. Ciclo da Vida (CV) e, nele, os afetamentos do adoecer para Mar co e sua família. Uma última linha eviden cia, segundo preconizado pelo Ministério da Saúde 8, o Desenvolvimento (D) nas fases da vida infantil e adolescente. Para detalhar os eventos contidos em cada linha, foram usadas letras do alfabeto sobrescritas.

Este estudo respeitou as prerrogativas éti cas em pesquisa com seres humanos previstos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde brasileiro, vigente à época da reali zação do estudo, e encontra-se em consonân cia com a atual Resolução n° 466/12. Assim, o projeto matricial ao qual este estudo se vincu la foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pes quisa do Hospital Universitário Julio Muller, sob o n° 671/CEP-HUJM/09. O jovem e sua família foram esclarecidos sobre os procedi mentos da pesquisa com garantia de seu ano nimato, reforçado pelo emprego de nomes fictícios para os participantes do estudo.

RESULTADOS

Para compreendermos os afetamentos de correntes da concomitância do agravo renal e câncer na vida de Marco e sua família, foi relevante nos aproximar de seu modo de vida desde o nascimento, com descrição minucio sa dos acontecimentos.

Marco, rapaz de 21 anos de idade à época da realização deste estudo, é filho de Rita e Olavo e irmão de três meninas e um rapaz. É adoecido crónico por doença renal desde tenra infância e por câncer desde a adoles cência. Residiu em pequena propriedade ru ral situada na Cidade A, a 210 km de Cuiabá, MT, durante toda sua infância e adolescência. A irmã mais velha e adotiva de Marco, Hele na, tem papel relevante no cuidado familiar a Marco. Também Fábio, filho mais velho, Ká-tia e Keila, irmã caçula de Marco, ajudaram-no com orações e palavras de incentivo no enfrentamento do seu adoecimento.

Tia Lair esteve também muito presente nos relatos da família, pois sempre apoiou Marco no processo de busca aos serviços de saúde em Cuiabá. Tios, primos, avós paternos e padrinhos do jovem contribuíram no seu cuidado durante o adoecimento; por mora rem em casas próximas na mesma proprie dade rural, o convívio se mostrou facilitado. Ainda, a comunidade rural à que a família pertence contribuiu com ajuda financeira, dentre outras, para custear o seu tratamento. Na Figura 1 representamos o desenvolvimen to de Marco e as repercussões trazidas pelo adoecimento crónico por agravos concomi tantes, como elemento importante na com preensão dessa vivência pessoal e em família.

As primeiras manifestações do adoeci mento na vida de Marco ocorreram logo após o seu nascimento, com episódios de edema de face e de membros e dores em região lom bar (Fig.1, 1Aa). Aos três anos de idade, seu pai o levou à Cuiabá para consulta médica; porém, a profissional afirmou que não havia com o que se preocupar, pois as dores decor riam de um processo fisiológico normal que se resolveria espontaneamente (Fig.1, 1Ab).

Nesse período, os pais de Marco eram os responsáveis pela busca por cuidados para amenizar seu sofrimento (Fig.1, 1CV). Tal busca tornou-se constante, tendo a família que se mobilizar intensamente à procura de cuidados em cidades vizinhas e na capital do Estado:

Direto!... Era uma vez por mês, duas vezes né... [...] Aí tava levando, com essa frequência... (Olavo).

Conforme relatado de modo enfático pe los pais, Marco, desde o nascimento, apresen tava choro constante devido às dores intensas ocasionadas pelo 'problema no rim'; com o tempo, passou a ser associado a outros sinto mas (Fig.1, 1Aa). Essa agonia constante com peliu seus pais a procurarem atendimento médico na Cidade A (Fig.1, 1b), que não foi resolutivo. Conforme aprendia a se comuni car, o menino apontava o local doloroso, na região lombar (Fig.1, 1Aa).

As buscas por serviços de saúde se manti veram por seis anos, sem resolução para o so frimento de Marco. Aos nove anos, passou a relatar a intensificação das dores, o que levou seu pai a procurar atendimento de urgência no Hospital da Cidade A (Fig.1, 2Aa). O mé dico que os atendeu solicitou ultrassom de abdome e, só então, foi diagnosticada hidro-nefrose do rim esquerdo decorrente de este-nose de ureter. A criança foi encaminhada para tratamento em Hospital Filantrópico de Cuiabá, onde ocorreu sua primeira cirurgia para correção da estenose (Fig.1, 2Ab).

Figura 1 Adoecimento e desenvolvimento de jovem e família que vivenciam adoecimento crónico concomitante: câncer e doença renal, 2012. 

Marco e sua família relataram que esse foi um período de grande sofrimento (Fig.1, 2CVa):

Ele ficou usando, como que fala, aquele dreno lá, que drena [...] (Rita). Da primeira, [referin do à primeira cirurgia renal] deu muito pobre-ma. Daí tava vazando direto... Não sei se é que o líquido não queria vazar e doía [... ] (Marco). É, deu quarenta grau de febre uma vez lá no Hospital Filantrópico (Olavo).

A partir de então, Marco precisou se submeter a frequentes exames e cirurgias. E se, por um lado, considerávamos tratar-se de um momento difícil para uma criança, toda via, sua família relatou-nos que situação di versa ocorreu com ele:

No tempo que ele era criança [...] pra ele foi ótimo, né, que ele não tinha de jeito nenhum po-brema, não tinha tristeza, não tinha essa chora deira, não tinha nada. [... ] (Helena).

Mesmo durante o adoecimento, especifi camente no período de convalescença da ci rurgia renal, Marco era uma criança alegre e animava-se em brincar com os amigos da co munidade rural em que residia (Fig.1, 2CVb).

Ainda em vigência do acometimento re nal, Marco foi afetado novamente por acon tecimento marcante e estressor: a instaura ção do câncer, sinergizando-se com o início de sua adolescência (Fig.1, 3Ac).

Aos treze anos, relatou dores no ouvido direito (Fig. 1, 3Aa), sendo diagnosticado lin foma em maxilar direito (Fig.1, 3Ab). Porém, para iniciar o tratamento quimioterápico, havia a necessidade de tratar a doença renal preexistente e persistente. Marco, então, foi submetido à segunda cirurgia para correção do ureter esquerdo, permanecendo sete dias internado (Fig.1, 3Ac).

Nos relatos do jovem e de seu pai, pode mos observar o modo abrupto como ocorre ram tais acontecimentos (Fig.1, 3Ac):

É porque fez [a cirurgia], de lá você já saiu à noite pro hospital de oncologia... Aí já saiu, foi pro hospital do câncer [... ] É... nem os ponto ti rou, eu saí.. eu fui lá pro... hospital de oncologia nem os ponto num tiraram...(Olavo). Eu de lá eu já fui pro hospital de oncologia di reto (Marco).

A instauração do agravo câncer em con comitância com o acometimento renal du rante sua adolescência não foi entendido por Marco em sua gravidade e consequências:

[...] no começo, assim, que eu recebi que eu ti nha esse problema [o câncer] eu, pra mim, nem eu sei [...] eu tinha era 14 anos, [...] aí eu pra mim aquele era... simples né, não era proble ma [...] sei lá eu acho que não entendia muito bem, né, aí pra mim aquele ali era normal... (Marco).

O câncer apenas passou a ser percebido como algo traumático quando iniciou trata mento quimioterápico:

[…] eu tomei a quimio, tomava ela e aí eu sen tia mal, né, porque vomitava, não dava pra co mer (Marco).

O jovem relatou que, dentre os efeitos colaterais da quimioterapia, a alopecia foi o mais marcante (Fig.1, 3CVa):

[…] [a enfermeira] falou que o cabelo caía […] aí eu falei vixi Maria! Aí foi a parte mais ruim né! (Marco).

Em meio ao inesperado, o processo de adoecer demandou, ainda, a busca por cui dados à saúde, momento em que Marco e sua família tiveram que enfrentar a falta de re cursos financeiros e a carência de atendimen to adequado por parte dos serviços de saúde, dificultando o cuidado à sua saúde (Fig.1, 3CVf) e o "lidar com" o adoecimento.

Porém, mesmo neste contexto de pouca efetividade dos serviços de saúde, o jovem sempre pode contar com a ajuda de seus fa miliares no seu cuidado, dentre os quais des tacamos tia Lair, que o apoiava nas estadas em Cuiabá para acompanhamento profis sional. Ela cedia sua casa todas as vezes que precisava, facilitando o processo de busca aos serviços de saúde (Fig.1, 4CVb). A disposição da tia Lair em ajudar Marco no processo de busca por cuidado mostrou-se muito impor tante no compartilhar das ações empreendi das pelos familiares em prol de sua recupe ração.

Além da ajuda de familiares, os amigos da comunidade rural a que pertenciam apoia ram fortemente o adolescente e sua família, mobilizados pelo adoecimento de Marco e cientes dos gastos advindos do tratamento (Fig.1, 3CVf). Marco nos relatou que a co munidade, incluindo igreja, amigos da vila, diretor e professores da escola e a vizinhança, organizaram dois leilões a fim de arrecadar verbas para ajudar nos custos com o seu tra tamento.

Tive uma ajuda né, uma ajuda muito grande (Olavo) [...] É, reuniu a comunidade, os fa zendeiro. A família, com a comunidade, todo mundo [...] Depois... Resolveram fazer um lei lão também. Os professor, aluno... deu em torno de... Onze mil, né deu dez mil... foi uma ajuda muito grande! (Rita).

Esse apoio recebido por Marco, tanto por parte dos familiares como da comunidade, foi de grande valia para suprir suas necessi dades com o tratamento.

Em meio ao apoio da família e da co munidade, o jovem atribuía significados próprios ao processo de adoecer. Apesar do sofrimento que o adoecimento por câncer acarretou em sua adolescência, esse período foi marcado pela determinação e coragem de viver sem sentir-se adoecido. Podemos exem plificar com os relatos apontando os afazeres que desenvolvia na propriedade rural fami liar (Fig.1, 3CVe):

[...] O meu pai ele mexe com leite, aí sempre, todo dia cedo, a gente levanta pra tirar leite [...] (Marco)

[…] e sentia bem. E ele tomava quimio antes de ontem, ontem, chegava hoje já ia pro curral! (Rita).

O jovem encontrava no trabalho do cam po motivação que ultrapassava os limites im postos pelo adoecimento, proporcionando certa sustentação do seu equilíbrio emocio nal.

Ao longo desse período, Marco pode con tar com a fé e a forte ligação com Deus para amenizar seu sofrimento, usando-a como alicerce e fonte de forças (Fig.1, 3CVb):

Sempre eu acreditava em Deus né... sempre tive fé [...] falava: com a fé em Deus, eu tenho fé que eu tô curado, [...] e não importava né, [...] eu nunca coloquei na cabeça que aquilo era um problema pra mim (Marco).

Porém, mesmo crente em sua fé e bus cando manter algumas atividades cotidianas, cujo gerenciamento estava sob seu domínio, enfrentou outras dificuldades ocasionadas pelo câncer, dentre elas, o convívio social retraído e a reprovação escolar (Fig.1, 3CVc, 3CVd):

Só que eu ia [referindo-se às festas] a doutora falava: "você pode ir! Você não fica no meio do povo". Aí sempre eu ficava afastado, mas nunca fui, assim, de ficar lá no meião lá... [...] Na esco la eu também reprovei […] teve uma época que eu perdi três anos de escola (Marco).

Um ano e oito meses após o término do tratamento quimioterápico, o linfoma recidi vou (Fig.1, 4Ad) e Marco necessitou de novo tratamento, porém, com fármaco não for necido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (Fig.1, 4Ae). A família precisou empreender intensos esforços para conseguir o medica mento por via judicial (Fig.1, 3CVg) e, apesar da concessão da liminar judicial tardar um mês, o fornecimento do medicamento pelo poder público demorou seis meses.

Aos 20 anos, Marco foi encaminhado para uma clínica especializada em oncologia para ser acompanhado por um oncologista de adulto (Fig.1, 4Aa). O linfoma pouco re grediu com o uso da medicação (Fig.1, 4Ab) e Marco passou a realizar radioterapia, que reduziu consideravelmente a massa tumoral (Fig.1, 4Ac). Essa fase do tratamento foi mar cada por sofrimento devido à reação adversa, que causava danos à mucosa oral que o im pediam de se alimentar (Fig.1, 4CVa).

No período de realização do trabalho de campo deste estudo, o jovem havia se mu dado para a Cidade B (Fig.1, 4CVc), estava namorando e relatou a perspectiva e desejo de constituir família e estudar (Fig.1, 4CVd). Também continuava o acompanhamento re gular com o médico especialista em oncolo gia (Fig.1, 4Ad), bem como do problema renal em Hospital Público de Cuiabá, estando em uso do medicamento citrato de potássio para a litíase renal que o acometia (Fig.1, 4Ae).

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Para elaborarmos a discussão de nossos re sultados tomamos como parâmetro os docu mentos do Ministério da Saúde brasileiro 8,14 que abordam o ciclo de vida do adoles cente e o desenvolvimento da criança e ado lescente, conforme expresso na Figura 1. As sim, trazendo a "normalidade esperada" ex posta em tais documentos, daremos destaque ao modo como os agravos concomitantes, sinérgicos em seus afetamentos, ocasionaram o incremento de outras normalidades vivenciadas por Marco em sua infância e adoles cência, também afirmadas por sua família.

O termo infância vem do latim infans e significa 'incapaz de falar'; compreende o pe ríodo desde o nascimento até, aproximada mente, três anos de idade, quando a fala já se transformou em instrumento de comunica ção 14. Nessa fase, muitos eventos ocorrem pela primeira vez: o primeiro sorriso, a pri meira palavra, os primeiros passos, o primei ro alcançar de um objeto (Fig.1, 1Da).

A criança é um ser dinâmico, complexo e em constante transformação. Seu desenvol vimento apresenta sequência com certa pre visibilidade e regularidade no crescimento físico (14). A capacidade de elaboração sim bólica vai aumentando, gradativamente: inicia-se pelo choro, que a mãe entende como demanda; passa pelas fases do balbucio, dos gestos, das pequenas palavras, até a elabora ção de frases e criação de suas próprias histó rias (Fig.1, 1Db). A criança interage com o ca rinho da mãe e é capaz de demonstrar sinais de prazer (sorrir) e de desconforto (chorar ou resmungar) (14) (1Dc).

O recém-nascido adquire o controle vo luntário do choro após um mês de idade, manifestado com vários estados psicofisio-lógicos como fome, sofrimento e dor 15. Porém, em situação de adoecimento que exi ge tratamento hospitalar, outros significados são atribuídos ao choro, dado o enfrenta-mento da situação, pois, acrescendo-se ainda a necessidade de procedimento cirúrgico, a criança se sente fora do seu contexto, causando-lhe dor e estresse 16,17.

Marco, no entanto, nasceu e cresceu en volto pelo sofrimento dos sintomas iniciais do agravo renal. Era uma criança chorosa e queixosa, sendo sua infância marcada por dores intensas, edemas e dificuldade de eli minações vesicais. E se, para uma criança é esperado que ela cresça e desenvolva de for ma tranquila e saudável, na vida de Marco o adoecimento instaurou no seu cotidiano modos próprios de viver, nem sempre tão fáceis, mas perseverante, mesmo diante das agudizações dos sintomas e idas frequentes aos hospitais.

A infância é marcada pelo aprimoramen to de habilidades, tais como, as capacidades de comunicação, locomoção, manuseio de objetos e jogos simbólicos, por meio do brin car e o explorar (Fig.1, 2Da). Constitui-se, ainda, numa fase em que a criança começa a vivenciar sentimentos ambivalentes em rela ção aos mais próximos, especialmente, o pai e a mãe, chorando e fazendo birras diante de proibições (Fig.1, 2Db). É um período de re levância, uma vez que a criança está dando grandes passos em direção à independência (Fig.1, 2Dc), experimentando-se como ser único 14.

Embora autores 2 afirmem que o estar "doente" provoca modificações intensas na vida da criança e família, particularmente se hospitalizada, podendo trazer prejuízo no desenvolvimento físico e mental. Contudo, Marco rememorou esse tempo como praze-roso. Brincava, fazia amizades e mantinha-se alegre, conforme esperado para uma criança. Mostrava-se, pois, consoante a autores que afirmam que a criança em adoecimento crô-nico tende a encarar a enfermidade como um fator externo, lidando com dificuldades devi do ao sofrimento físico e as restrições das atividades; porém, isso não a impede de realizar tarefas que lhes são características 18.

E se não bastassem os rearranjos no co tidiano para lidar com o adoecer renal ao longo de toda infância, Marco e família ainda foram surpreendidos, no início da adoles cência, pelo câncer, ampliandolhes o sofri mento ao terem que lidar com seu estigma e tratamento, suscitando intensos desafios nesta fase da vida 19.

Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), a adolescência compreende o período entre 10 e 19 anos e, além das mo dificações corporais oriundas da puberda de, ocorrem variadas alterações emocionais, dentre elas o desenvolvimento social e a bus ca por identidade, vivenciada de forma pecu liar por cada adolescente 8,20. Consiste em uma fase dinâmica e complexa que perpassa a infância e a idade adulta e marca inúme ras modificações biológicas, psicológicas e sociais que repercutirão por toda vida (20), delineando uma identidade sexual, familiar e laboral, permitindo que o adolescente ve nha a exercer determinados papéis dentro da sociedade, sendo esta identidade sua imagem própria (Fig.1, 3Da) 8.

A notícia do adoecimento por câncer para Marco, mais uma vez, foi ocasião para exercí cio da superação. Nos encontros de entrevis ta, mostrou que se mantinha confiante, não deixando a doença tomar conta de sua vida, tampouco da sua constituição biológica, mas sim, considerando-a como algo que breve mente deixaria de experienciar.

Autores afirmam que o adolescente, ao re ceber a notícia de uma doença crônica, em especial o câncer, procura como refúgio para seus medos e incertezas a não reflexão sobre a doença e tratamento, tomando a experiên cia como algo a ser vivido e não como algo complexo que valide passar por sua conscientização 21.

Embora guiasse sua vida com otimismo e confiança, o período da dinâmica terapêu tica imposta pelo câncer foi o momento em que Marco sentiu o 'pesar' de encontrar-se adoecido, mediante os efeitos colaterais dos quimioterápicos: fraqueza, vómitos frequen tes e, principalmente, a alopecia, que lhe causou mais intenso sofrimento. Esse signi ficado especial em relação à perda dos ca belos pode estar relacionado à preocupação com o corpo, que se encontra em constantes transformações na adolescência (Fig.1, 3Dc) 8. Quando o desenvolvimento do corpo é prejudicado ou insatisfatório, o impacto psi cológico acarreta no adolescente sentimento de desvalorização e inferioridade, interferin do de maneira significativa em suas relações pessoais e afetivas 8.

Na adolescência, vivenciam-se intensos momentos de transição, necessidade de afir mação e variados desajustes que contribui rão para a formação da identidade adulta 8. Fazem parte do transcorrer da adolescência: busca de si mesmo e de sua identidade; sepa ração progressiva dos pais; tendência grupal; necessidade de intelectualizar e fantasiar; cri ses religiosas; deslocamento temporal; evolu ção da sexualidade; atitude social reivindica tória; entre outros (Fig.1, 3Db) 8.

Diante de tantas mudanças nessa fase da vida, o adoecimento crônico acarreta signi ficativas repercussões físicas, psicológicas e sociais, duráveis durante todo o processo de adolescer. Estas causam grande impacto na vida da pessoa, culminando em estresse de corrente das limitações impostas pela enfer midade, interferências nas atividades cotidia nas e nos projetos futuros, além da dificulda de de os adolescentes e suas famílias lidarem com a situação, já que não condiz com seu processo de crescimento e desenvolvimento 8,22.

Tal condição se acentua quando há des compasso entre a lógica do cuidado familiar com a das práticas em saúde na esfera pro fissional, principalmente no que tange a ca rência de serviços de saúde que possam aten der as intensas necessidades do adolescente e família que vivenciam o adoecimento, am pliando, sobremaneira, seu sofrimento. Nes te contexto, concordamos que as limitações impostas pelos serviços guardam estreita re lação com o estresse e o cansaço que se inten sificam pela necessidade de dispêndio extra de energia pela família da pessoa adoecida diante dos inúmeros cuidados demandados 23. Em consonância com nossa percepção, estudo aponta a importância dos profissio nais e serviços de saúde atuarem em prol da melhor assistência à saúde, considerando a biografia e a situação de vida de cada pessoa adoecida crônica 24.

Esta biografia conjuga-se com o viver em família, lugar de apoio e referência para aquele que vive e adoece. Marco nos conta a intensa e amorosa relação que o unia a seus familiares, de modo que todos se sentissem responsabilizados para lhe oferecer o melhor cuidado.

A notícia de um adoecimento crônico na família gera grande impacto em seu coti diano, sendo as dificuldades do adolescente compartilhadas, de forma contundente, por seus pais e/ou responsáveis 8. Reforçamos, assim, que a família configura-se a base do ser humano, conformando-se em lugar de apoio mútuo, assumindo imprescindível importância àqueles que adoecem. O apoio familiar nessa peculiar situação de agravos concomitantes exigiu rearranjos e supera ções constantes na vida de Marco e sua fa mília "permitindo-nos apreender os aspectos do viver em família e as dinâmicas que a re gem no cuidado aos seus entes" 25.

Marco também recebeu importante ajuda da comunidade rural em que residia, cujos membros uniram seus esforços proporcio nando ajuda financeira e espiritual ao longo do tratamento. Entendemos que a co-responsabilização e a troca de experiências entre as pessoas podem ajudar no desenvolvimento de estratégias para enfrentar as dificuldades do adoecimento e hospitalização, principal mente a do jovem em adoecimento 26.

Por ser uma fase em que o adolescente anseia por autonomia (Fig.1, 4Da), entendi da como "autogoverno, auto determinação e implica no direito de o indivíduo tomar decisões sobre a saúde, relações sociais e, em última instância, sobre sua vida" 8, o ado lescente, ao vivenciar o adoecimento crônico, pode não aceitar as limitações por ele impostas. Fato que não ocorreu com Marco, pois, apesar das orientações médicas para restringir algumas atividades, sempre busca va realizalas de modo que não prejudicasse o tratamento (Fig.1, 3CVe). Ainda, apesar da magnitude das situações sofridas com o ado ecer, sobressaia a força e a coragem de viver, inclusive, não mudando sua rotina de afaze res no trabalho na propriedade rural.

Sua forte ligação com Deus, por meio da fé, oferecia apoio emocional mediante os di versos acontecimentos. Concordamos com autores 27 ao salientarem que as estratégias de enfrentamento beneficiam, significati vamente, o processo adaptativo do adoecer, reduzindo o estresse causado pela situação, conferindo sentido, estabilidade e conforto diante da doença. Assim, compreendemos que a espiritualidade constitui-se em uma dessas estratégias diante de situações consi deradas difíceis, como foi o caso dos trata mentos oncológico e renal, permeados de sofrimento.

No entanto, apesar da sua força de vonta de, fé e determinação, Marco também encon trava empecilhos por conta da manifestação dos sintomas e tratamento, como a interrup ção na sua vida escolar e certo isolamento social. Na adolescência, a pessoa encontra na escola, além de um cenário de estudo, um ambiente favorável para o desenvolvimento das relações sociais, troca de experiências e maturidade 28. Entretanto, ao viver o ado ecimento crônico, a escolarização do adoles cente é interrompida ou dificultada devido a buscas por atendimento de suas necessida des em saúde, caracterizadas pelo excesso de consultas, exames e internações em horário escolar 8.

No que refere à construção social da vida do adolescente, surgem conflitos que mol dam o ser: na adolescência média (14 a 17 anos) os embates que emergem dizem respei to à independência familiar e o início dos re lacionamentos amorosos (Fig.1, 4Db) (8); na fase tardia (17 a 20 anos) os principais pro blemas são relativos ao ingresso profissional, inquietações com o futuro, entre outros 8) (Fig.1, 4Dc). Tais processos foram experien-ciados por Marco de modo indissociado do adoecer crônico, repercutindo em seu modo de andar a vida; entretanto, sempre buscava superar as limitações impostas pelo adoeci mento, inclusive diante das recidivas ou agu dizações dos agravos.

Autor salienta que, na adolescência, a pes soa é capaz de compreender e contribuir na tomada de decisão no seu cuidado, procu rando maneiras mais efetivas para controlar os sintomas e ter domínio daquilo que seja melhor para seu bem-estar 29. Para tanto, é importante que a família e os profissionais de saúde o incluam nas decisões acerca do cuidado, concedendo-lhe oportunidades de realizar o próprio cuidado e, assim, tornar mais efetivo o enfrentamento positivo dessa vivência.

Embora o adoecimento por agravos con comitantes fizesse parte da vida de Marco desde sua infância, ele o vivenciava de ma neira própria, ativa, otimista, reestruturando sua vida em favor de um futuro esperanço so, dele advindo a vontade de fazer um curso universitário.

Tendo aqui apresentado a descrição mi nuciosa da história de vida de Marco, na ló gica de seu próprio relato assim como de seus familiares, os resultados do estudo se confi guraram em uma forma mais narrativa. En tendemos que estudos de cunho descritivo, no bojo da compreensão de uma única expe riência, podem apoiar a analise temporal de pessoas que vivem o adoecimento, permitin do identificar as trajetórias do adoecer e seus afetamentos no decorrer da vida 30.

Consideramos que o desenho da linha do adoecer em concomitância com o adolescer nos proporcionou apreender diferentes fases do desenvolvimento, considerando seu as pecto emocional, físico, comportamental e social; e também as implicações que o ado ecimento crônico causou no jovem e família que, desde sua infância, buscam, produzem e gerenciam o cuidado a ele dispensado. Res saltamos, também, que a permanência do adoecimento crônico continua a exigir do jovem e família a constante capacidade de se rearranjar, renovar e reconstruir seu modo de vida.

A direção metodológica descritivo-analítica, intencionalmente eleita por nós, em-basada na experiência humana do adoecer, ainda mais intensamente vivida, ao se dar em concomitância com o adolescer, dá relevo aos contornos próprios e pessoalizados dessa si tuação. Essa compreensão nos faz reforçar a importância deste estudo como contribuição para o conhecimento em enfermagem, tanto na sua dimensão assistencial quanto da pes quisa, ao provocar reflexões acerca do viver, adolescer e adoecer, possibilitando instigar mudança nas práticas profissionais em saúde e enfermagem, de modo que sejam mais aco lhedoras às necessidades ampliadas daqueles que vivenciam situação análoga, tornando se, então, mais efetivas em diminuirlhes o sofrimento.

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Recebido: 04 de Março de 2015; Aceito: 08 de Setembro de 2016

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