INTRODUÇÃO
Com o advento das tecnologias, as inovações tecnológicas se inseriram em diversos espaços, dentre eles o da saúde e da enfermagem. Assim, a inovação tecnológica pode ser conceituada como um processo de idealização e incorporação de novas funções e características a um determinado produto ou na forma de produção1. A inovação tecnológica pode ser entendida ainda como uma nova forma de pensar diante das mudanças, trazendo soluções para problemas nas áreas científica, académica e até mesmo da prática2.
Neste contexto, em face do avançar das tecnologias do cuidado na saúde e na enfermagem, é possível perceber a inserção de novas tecnologias da informação e comunicação (TICs), tais como aquelas baseadas em realidade virtual (RV) ou realidade aumentada (RA).
A RV é uma ferramenta capaz de fazer o usuário ficar imerso em um ambiente virtual, onde a interação ocorre por meio de capacete, óculos, luvas, controle ou comando de voz, passando a sensação de realismo3,4. De maneira oposta, a RA interage com o usuário sem a imersão no ambiente virtual e sem substituir o ambiente real, utilizando uma interface que interliga os ambientes virtual e real, sem a necessidade de equipamentos especiais5.
Atualmente, essas ferramentas possuem diversas aplicações. Na prática clínica, elas têm auxiliado os profissionais de saúde na promoção, prevenção e reabilitação da saúde da população. Assim, é de suma importância identificar as aplicações dessas ferramentas inovadoras para difundir o seu conhecimento e o quão benéficas elas podem ser no processo de cuidado dos pacientes.
Diante disso, surgiu o seguinte questionamento: quais as evidências científicas acerca das finalidades do uso de tecnologias baseadas em RV ou RA na área da saúde ou na enfermagem para a população em geral? À vista disso, o objetivo deste estudo é identificar as evidências científicas acerca das finalidades de uso de tecnologias baseadas em realidade virtual ou realidade aumentada na área da saúde para a população em geral.
MATERIAL E MÉTODO
Este estudo consiste em uma revisão do tipo integrativa. A condução do estudo foi realizada em seis etapas, a saber: elaboração da pergunta norteadora; busca na literatura; coleta de dados; análise crítica dos estudos; discussão dos resultados; e apresentação da revisão inte-grativa6.
Seguindo as etapas supracitadas, para nortear as buscas, foi elaborada uma pergunta norteadora utilizando a estratégia PICo, que consiste em um acrónimo que significa "população/ problema, intervenção e contexto", sendo "P": para a população em geral; "I": finalidades do uso de tecnologias baseadas em RV ou RA; "Co": área da saúde ou enfermagem. Essa estratégia permitiu formular a seguinte questão norteadora: "Quais as evidências científicas acerca das finalidades do uso de tecnologias baseadas em RV ou RA na área da saúde ou na enfermagem para a população em geral?"
Posteriormente, foram selecionadas as bases de dados para o levantamento bibliográfico, a saber: National Library of Medicine National Institutes of Health (MEDLINE/PubMed), "Índice Cumulativo de Enfermagem e Literatura Aliada em Saúde (CINAHL), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Web of Science e Scopus.
Para compor a estratégia de busca, foram utilizados os descritores "tecnologia (technology)", "saúde (health)", "enfermagem (nursing)", "realidade virtual (virtual reality)" e "realidade aumentada (augmented reality)", os quais estão indexados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS/BVS) e no Medical Subject Headings (MeSH/PubMed). Para a interação destes foram utilizados os operadores booleanos "AND" e "OR", gerando a seguinte combinação: "technology" AND "health" OR "nursing" AND "virtual reality" OR "augmented reality", conforme o Quadro 1.
A busca de dados foi realizada em março de 2021. O acesso às bases de dados ocorreu em um único dia. Os estudos identificados foram exportados para o programa de rastreio denominado Rayyan - Intelligent Systematic Review. Este programa permite a realização da triagem dos estudos da revisão de forma eficaz, respeitando a ocultação entre os revisores. Além disso, está disponível para uso tanto no computador quanto no smartphone7. Procedeu-se o cegamento entre pares, evitando viés na leitura e por meio deste mesmo programa foi realizada a triagem dos artigos por dois pesquisadores de maneira independente e simultânea.

Quadro 1 Estratégias de busca dos artigos em cada base de dados selecionada. Redenção/CE, Brasil, 2021.
Foram adotados como critérios de inclusão: artigos científicos originais na íntegra, que respondessem à questão norteadora, nos idiomas português, inglês ou espanhol, sem recorte temporal, com vistas a alcançar um maior rol de estudos e oferecer uma visão mais abrangente e completa das aplicações de RV e RA na saúde. Ademais, foram excluídos da revisão: editoriais, cartas ao editor, anais de eventos, monografias, teses, dissertações, relatórios, estudos de casos, relatos de experiência, produções duplicadas e que não respondessem à pergunta norteadora.
A organização dos dados verificados nos estudos foi feita em uma planilha Excel online utilizando-se um instrumento adaptado8, reunindo informações tais como: autor, país onde a pesquisa foi realizada, ano, objetivo do estudo, principais resultados e conclusão, finalidade da tecnologia, tipo de realidade usada e nível de evidência.
Para classificação do nível de evidência foram adotados os critérios: nível I (revisão sistemática ou meta-análise); nível II (ensaio clínico randomizado controlado bem delineado); nível III (ensaios clínicos bem delineados sem randomização); nível IV (estudos de coorte e de caso-controle bem delineados); nível V (revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos); nível VI (estudo descritivo ou qualitativo); e nível VII (opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas)9.
RESULTADOS
A Figura 1 mostra o processo de seleção de artigos, que seguiu as recomendações do PRISMA10.
Os 65 artigos que compuseram a amostra final estavam disponíveis em inglês e os anos de publicações variaram de 2003 a 2021. Houve um predomínio de estudos realizados nos Estados Unidos (13 itens, o equivalente a 20%)11,26,27,29,32,36,37,41,47,55,63,67,73 e na China (13 itens, o equivalente a 20%)12,18,19,23,25,30,39,40,48,50,58,68,69. Quanto às áreas de publicações, 33 dos estudos estavam relacionados à medicina (50,7)14,17,21,25-27,33,36,41-43,45-49,51,54-59,63-71,74,75 seguido por Enfermagem, com 22 publicações (33,8%)11-13,15,18-24,28-32,35-40,44,50. já para o nível de evidência, os estudos enquadrados como nível II, do tipo ensaio clínico randomizado controlado, foram os mais prevalentes12-19,21-29,31,32,34,46,51-55,59,61,62. O Quadro 2 traz a caracterização dos estudos incluídos na amostra final.

Figura 1 Fluxograma do processo de identificação, seleção, elegibilidade e inclusão dos estudos. Redenção/CE,Brasil, 2021.
As principais finalidades de uso e os tipos de tecnologias utilizadas, RV ou RA, foram categorizadas, de acordo com a Quadro 3, destacando-se entre elas: alívio da dor, ansiedade e medo; caráter educativo 'simulação e orientação1; reabilitação e neurorreabilitação; promoção da saúde mental/bem-estar psicológico; auxiliar em procedimentos e planejamento pré-operatório/apoio às cirurgias; e outros usos.
Além disso, 52 estudos '80%1 usaram realidade virtual; 12 usaram realidade aumentada '18,4%1 e apenas um usou ambas '1,5%1. Dos estudos analisados, os dados foram categorizados de acordo com suas semelhanças de aplicação no ambiente de saúde.
DISCUSSÃO
Em face do avançar das inovações tecnológicas é possível observar a inserção de novas ferramentas no processo de cuidar. Atualmente, a RV e a RA vêm ganhando espaço na área da saúde, sendo utilizadas em distintos contextos clínicos no intuito de contribuir na promoção, prevenção e reabilitação da saúde da população. Deste modo, serão apontadas a seguir seis categorias temáticas das principais finalidades de uso que esses tipos de ferramentas vêm se destacando na área da saúde.
Destaca-se que os primeiros estudos relacionados a RV surgiram voltados para a área de alívio da dor, ansiedade e medo19,29. Os de RA destinou-se os primeiros estudos para o auxílio em procedimentos e planejamento pré-operatório ou apoio às cirurgias67-69, reabilitação e neuroreabilitação57. No entanto, os estudos que utilizavam tanto RV e a RA estavam di-recionados para área de auxílio durante os procedimentos e o planejamento pré-operatório ou apoio às cirurgias a serem realizadas70.
Os estudos mais recentes, destacavam a utilização da RV também no alívio da dor, ansiedade e medo13; em caráter educativo (simulação e orientação)39; promoção da saúde mental/bem-estar psicológico58,59,61; auxiliar em procedimentos e planejamento pré-operatório/apoio às cirurgias64. A RA destacou a sua utilização no auxílio do procedimento pré-operatório/apoio às cirurgias65,66.
Respeito a Alívio da dor, ansiedade e medo, a literatura aponta que a RV tem se mostrado promissora para o alívio da dor, medo e ansiedade de pacientes de distintas idades, como foi observado nos estudos identificados nesta revisão.
Desde adultos, a adolescentes e crianças foi percebida uma redução significativa desses sintomas durantes diferentes procedimentos, a saber: aspiração de medula óssea11, inserção intravenosa12,13, durante tratamento de quimioterapia em mulheres com câncer de mama14, inserção de cateter periférico15, punção venosa16,17, troca de curativos de feridas crônicas18 e queimaduras19, durante parto e co-rreção de episiotomia20, no pré-operatório de cirurgias21 e durante hidroterapia em pacientes com queimaduras28.
Assim, a intervenção com RV pode ser considerada um método não farmacológico eficaz para reduzir esses sintomas nos pacientes, pois promove uma distração poderosa e envolvente durante a realização dos procedimentos, desviando sua atenção da dor, do medo e da ansiedade, sendo utilizada principalmente com crianças11,12,15,16,18,20-22.
No entanto, ela deve ser utilizada com cautela, pois pode provocar enjoos13,26, mas também pode não causar efeitos colaterais, além de não depender de receita médica, sendo uma ferramenta viável para os enfermeiros utilizarem e de fácil implementação18,25,28.
Respeito al Caráter educativo 'simulação e orientação1, no que concerne ao seu caráter educativo, as tecnologias de RV e RA também mostraram eficácia, sendo utilizadas para: treinamento com vistas a minimizar os acidentes com perfurocortantes30; ensinar habilidades para aspiração de cânula de traqueostomia31; ensinar habilidades de segurança para possíveis incêndios na sala de cirurgia32; treinamento de Suporte Básico de Vida 'SBV133; melhorar a manipulação e controle da seringa durante procedimentos anestésicos em crianças34; ensino dos cuidados de enfermagem para crianças com asma35; para avaliar a resposta de leigos frente a um evento de Síndrome Coronariana Aguda36; para identificação dos sinais e sintomas de overdose relacionada a opioides e administrar naloxona intranasal37; treinamento de punção de acessos venosos38; documentos para o ensino da quimioterapia39; ensino de anatomia42; e para o ensino da coleta de sangue a vácuo em adultos, sendo benéficas principalmente para os estudantes durante a transição do nível pré-clínico para o clínico44.
Além disso, essas tecnologias foram utilizadas para orientações aos pacientes ajudando-os a compreenderem melhor a anatomia e o processo de recuperação42; para o conhecimento e a ansiedade dos pacientes em relação à radioterapia25; e explicações sobre o procedimento de radiografía de tórax43.
Assim, foi evidente que as novas tecnologias baseadas em RV e RA são fáceis de serem utilizadas e podem ter seu uso ampliado para educação, treinamento e envolvimento do paciente em condições de saúde, assim como na anatomia e fisiologia do corpo humano, além de serem benéficas para compreensão do paciente e familiares sobre seu estado de saúde(43, 45).
No tocante à reabilitação e à neurorreabilita-ção, as tecnologias de RA e RV foram utilizadas principalmente para o treinamento e recuperação motora de pessoas após Acidente Vascular Cerebral 'AVC151; treinamento cognitivo de idosos com esquizofrenia, Doença de Alzheimer 'DA1 e Doença de Parkinson 'DP152-56; em eletromiografia para atividade motora de crianças, reabilitação de crianças com atraso no desenvolvimento motor55.
Assim, as tecnologias de RA e RV voltadas para reabilitação e neurorreabilitação foram positivas quando usadas tanto de forma isolada, quanto associada a outro tipo de terapia reabilitadora, fornecendo informações clínicas úteis para os profissionais que fazem o uso desses tipos de tecnologias na assistência ao paciente54.
No tocante a Promoção da saúde mental e do bem-estar psicológico, a realidade virtual também se mostrou benéfica para promover a saúde mental e bem-estar psicológico de pacientes, ocorrendo melhoras significativas em termos de felicidade, estresse, qualidade do sono, satisfação com a vida, redução dos sintomas da depressão, bem-estar e humor58,59.
No entanto, no tratamento para agorafobia 'medo de estar em lugares abertos, situações difíceis de escapar ou sem possibilidades de buscar ajuda1, o uso combinado da psicofarmacologia e psicoterapia mostraram maior eficácia, mas os pacientes expostos à RV também obtiveram uma melhoria significativa nos estímulos fóbicos, embora tenha sido observada uma resistência à adesão de novas tecnologias para o tratamento dessa fobia62.
Na categoria Auxiliar em procedimentos e planejamento pré-operatório ou em apoio às cirurgias, a literatura relata que tanto à RV quanto a RA foram positivas para o planejamento e auxílio em cirurgias de diferentes partes do corpo, pois facilitaram a manipulação das estruturas, permitiram visualizá-las de vários ângulos, visto que foram capazes de transmitir uma sensação da presença real da estrutura70, diferentemente de imagens gravadas ou vídeos, além de melhorar a orientação do paciente e auxiliar no diagnóstico, sendo viáveis de serem introduzidas na prática clínica69,70.
Além disso, a RV foi capaz, a partir de um modelo cine quadridimensional (4-D) do coração, auxiliar no planejamento pré-cirúrgico e educação de pacientes e estagiários sobre doenças como a tetralogia de Fallot e CIV63.
Somando-se a isso, a realidade virtual permite que os cirurgiões possam avaliar as estruturas anatômicas melhorando o planejamento pré-operatório e a precisão da ressecção anatômica, trazendo mais segurança durante o ato cirúrgico e reduzindo o erro posicional62,63.
Na categoria Outros usos, a RV e RA também se mostraram eficazes em outros contextos, tais como: auxiliar no autogerenciamento e prevenção da diabetes71; para avaliar a memória de curto prazo de crianças31; bem como para o tratamento da dor em membro fantasma e sensações fantasmas73 ; cálculo das doses de medicações pediátricas28; e medição de feridas sem o seu contato direto74.
Assim, é possível perceber que essas tecnologias possuem diversos usos e podem ser usadas em diferentes áreas e contextos clínicos. A RV e a RA são ferramentas promissoras na área da saúde e da enfermagem e podem auxiliar os profissionais nas suas práticas clínicas70. Apesar de não serem recorrentes, em comparação com outros tipos de tecnologias como vídeos, cartilhas, álbuns seriados, entre outras, a sua eficácia, como evidenciada pelos estudos, deve ser explorada pelos pesquisadores, tanto nacionais quanto internacionais da área da saúde76.
Como limitação, apesar do número significativo de estudos identificados, pode-se citar o fato de não ter sido possível efetuar a busca em mais bases de dados, além das utilizadas, para encontrar mais evidências e explorar ao máximo a temática abordada. Além disso, ainda houve um número expressivo de estudos com nível de evidência VI, sendo, portanto, essencial o desenvolvimento de novas pesquisas e com critérios mais rigorosos que testem a efetividade das tecnologias baseadas em RV e RA.
CONCLUSÃO
Esta pesquisa evidenciou o amplo uso de tecnologias baseadas em realidade virtual e aumentada na área da saúde e enfermagem e o quão benéficas elas têm se mostrado em distintas áreas e contextos clínicos. Entretanto, mais pesquisas precisam ser realizadas, inclusive em território nacional, para validar os achados positivos que apresentaram e que foram evidenciados nesta revisão.
Em vista disso, as principais finalidades de uso identificadas envolveram desde o alívio da dor, ansiedade e medo; simulação e orientação; reabilitação e neurorreabilitação; promoção da saúde mental e bem-estar psicológico; até como uma ferramenta para auxiliar em procedimentos e no planejamento de cirurgias; além de terem sido apontados outros usos na área da saúde e enfermagem, podendo ter mais finalidades ainda não exploradas.
Assim, os achados desta revisão são de interesse para a área da saúde e da enfermagem, uma vez que a aplicação de tecnologias com diferentes densidades faz parte das práticas de cuidados dos profissionais de saúde para a promoção, prevenção e reabilitação da saúde da população, sendo as tecnologias baseadas em realidade virtual e aumentada, atualmente, integrantes desse rol de ferramentas que são capazes de promover o cuidado.