INTRODUÇÃO
Quedas são definidas como o movimento não intencional do indivíduo para um nível inferior à sua posição inicial, podendo atingir o solo ou outro nível inferior a ele. A queda pode ocorrer da própria altura, ou da cama, maca e assentos, englobando o vaso sanitário1. A interpretação do significado da queda e as condutas a serem adotadas dependem do contexto onde a queda ocorre e seus impactos. Em serviços de saúde, quando repercute em um dano é definida como um Evento Adverso1. As quedas que ocorrem durante o período de internação, constituem intercorrências relevantes que evidenciam a falta de segurança no cuidado2) e configuram um dos principais eventos adversos, responsável por dois em cada cinco eventos relacionados à assistência ao paciente1.
A prevenção de quedas é uma ação prioritária na área da saúde e uma das metas internacionais de segurança do paciente elencadas pela Joint Commission International (JCI), em colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS)1. É um processo complexo, que prescinde de envolvimento e comprometimento dos indivíduos, gerenciamento de fatores de risco e otimização de recursos e estruturas3. Na realidade americana, estima-se que entre 700.000 e 1 milhão de quedas de pacientes ocorram anualmente nos hospitais, entre as quais 30% resultam em lesões4.
O reconhecimento desta realidade como uma dimensão essencial na gestão da segurança do doente, o empenho dos envolvidos na sua prevenção, bem como a mudança da cultura organizacional em prol deste paradigma ou Fall Tailoring Interventions for Patient Safety (Fall TIPS); surgiu nos Estados Unidos da América. Este programa veio reforçar as premissas do trabalho colaborativo entre a equipe de saúde, doentes (de todas as faixas etárias) e cuidadores para uma efetiva prevenção de quedas entre internados4. No Brasil, a incidência desse evento é de 1,7 a 7,2 casos para cada 1.000 pacientes internados/dia5.
O programa Fall TIPS é uma ferramenta que procura dar resposta a estes problemas, cujo principal pilar é o compromisso dos doentes e cuidadores na prevenção de quedas nas instituições de saúde. Este compromisso visa atrair e envolver pessoas-chave na sua implementação, incentivando intervenções baseadas numa combinação de estratégias de marketing social, educação, modelação de papéis, formação, entre outras2. Este se circunscreve em cuidados multiprofissionais, onde os profissionais de enfermagem são essenciais e seus atores centrais são: líderes, defensores, profissionais de saúde, pacientes e cuidadores6,7.
Para a sua implementação e efetividade, o programa Fall TIPS requer: incentivos à gestão, acesso a conhecimento de qualidade e efetivo sobre a temática, resultados do seu impacto e desenvolvimento no contexto das instituições de saúde4. Neste sentido, os recursos formativos para os profissionais de saúde requerem estratégias dinâmicas e inovadoras, orientadas para a necessidade de uma ação interdisciplinar coordenada (numa perspetiva de complexidade e abrangência), com enfoque na ação crítica e reflexiva de todos os atores envolvidos2. O objetivo deste estudo foi desenvolver e avaliar uma tecnologia educacional digital (TE) sobre prevenção de quedas para ser utilizada por profissionais de saúde, durante a implementação do programa Fall TIPS no Brasil.
MATERIAL E MÉTODO
Tipo e local de estudo: Trata-se de uma pesquisa aplicada e de desenvolvimento, do tipo quantitativa. As fases da pesquisa foram realizadas em uma instituição de ensino e em um hospital de uma universidade federal localizados na região Sul do Brasil.
Desenvolvimento do estudo: As fases de investigação aplicada e desenvolvimento tecnológico foram realizadas entre 2020 e 2022, incluindo as etapas de planejamento, desenvolvimento e avaliação8. A fase de planejamento incluiu a criação de storyboards que foram desenvolvidos abordando a temática, focando as ações dos públicos-alvo, os objetivos pedagógicos, o conteúdo e as referências recolhidas para cada aspeto abordado. Foi decidido que a tecnologia educativa digital seria constituída por infografias, podcasts e vídeos, que por sua vez abordariam os fundamentos do programa Fall TIPS, mas também se baseariam no enquadramento teórico da liderança transformacional9 e do envolvimento do doente e do cuidador. Incluiria módulos específicos para cada um dos stakeholder (líderes, defensores, profissionais de saúde, doentes e prestadores de cuidados).
Durante a fase de desenvolvimento foram realizadas reuniões semanais entre os membros do projeto Fall TIPS, enfermeiras clínicas, líderes, designers e programadores, além de entrevistas com pacientes e acompanhantes, considerando os princípios da coprodução2, a fim de entender as múltiplas expectativas, definir estratégias, organizar demandas e definir prazos de entrega.
A fase de avaliação foi realizada num hospital universitário localizado na região Sul do Brasil, com a participação exclusiva de profissionais graduados em enfermagem que exerciam papel de liderança convidados através da sua sub-direção. A seleção dos indivíduos foi feita por amostragem por conveniência, com base no princípio da semelhança com o público-alvo da tecnologia. Foram incluídos profissionais que atuam na área de segurança do paciente e que ocupam cargo de liderança, que aceitaram participar após serem indicados e convidados pela chefia e assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido. Foram excluídos os indivíduos que se encontravam ausentes do trabalho por incapacidade.
No total, quatro reuniões de avaliação da tecnologia educativa centraram-se em cada stakeholder e duraram cerca de 50 minutos. No dia anterior a cada reunião, foi enviada uma ligação para aceder à tecnologia educativa digital através de uma aplicação de mensagens para telemóvel. No dia do primeiro encontro, depois de lerem individualmente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e de concordarem com o mesmo, os participantes responderam a um questionário utilizado em estudos anteriores para avaliar a TE8. Este consistia em três conjuntos de perguntas, compostos por 19 itens organizados numa escala de Likert de 4 pontos (1: Inadequado, 2: Parcialmente adequado, 3: Adequado e 4: Totalmente adequado), dispostos num plano impresso que incluía uma resposta rápida ou um código QR para aceder à plataforma. Se fossem escolhidas as respostas 1 ou 2, a escolha tinha de ser justificada num campo de resposta aberto. Os itens referiam-se ao aspeto e aos objetivos da tecnologia educativa digital, à sua estrutura e apresentação, incluindo a sua organização geral, coerência, formato e relevância, ou seja, o seu grau de importância.
Os dados foram coletados por todos os pesquisadores desta publicação, sendo um médico, dois doutorandos e um mestrando, que receberam previamente instruções sobre a utilização do instrumento. Os dados dessa fase foram organizados em planilhas digitais e analisados por meio de estatística descritiva e do Índice de Validade de Conteúdo (IVC)10. Este mede a concordância dos avaliadores, em proporção a cada aspeto investigado. Buscou-se uma concordância mínima de 0,70; indicada quando o número de participantes é igual ou superior a seis11. O protocolo de pesquisa foi aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos.
RESULTADOS
Fase de desenvolvimento: Como resultado da fase de desenvolvimento, a Figura 1 mostra um exemplo da tecnologia educacional desenvolvida para website, que teve como objetivo distribuir informações sobre o programa Fall TIPS Brasil, por meio de podcasts, vídeos e infográficos.
Fase de avaliação: Como resultado da fase de avaliação, especifica-se que todos os profissionais de enfermagem da lista participaram. Os participantes foram 14, 13 (92,5%) mulheres e 1 homem (7,14%). A média de idades foi de 41,5 anos. A duração média da formação na profissão de enfermagem foi de 16,2 anos, dos quais 3 (21,4%) tinham uma especialização, 5 (35,7%) um mestrado, 5 (35,7%) um doutoramento e 1 (7,2%) uma licenciatura.
Quanto às respostas dos participantes, a Figura 2 mostra a sua distribuição por tema. A Figura 3 apresenta os resultados de acordo com cada população-chave (profissionais de saúde, líderes, campeões, doentes e prestadores de cuidados).
A Tabela 1 apresenta os resultados dos cálculos dos IVC, por bloco de questões avaliativas, bem como o IVC geral da tecnologia educacional.
DISCUSSÃO
A análise permitiu identificar o IVC a partir das respostas atribuídas pelos participantes para todos os blocos de questões avaliadas. Embora na literatura haja predomínio de enfermeiros do gênero feminino e com idade inferior a 40 anos10, no presente estudo houve maior participação de profissionais com mais de 40 anos e, majoritariamente, pós-graduados (92,8%). Em relação à qualificação profissional, sabe-se que quanto maior a formação, mais crítico-reflexivo e participativo é o profissional no processo de trabalho12.
Inicialmente, a avaliação do bloco 1 foi considerada adequada aos objetivos da tecnologia, no caso, a formação de profissionais para a implementação do programa Fall TIPS Brasil outono (pedra fundamental para sua implementação). Especulase que esse resultado seja reflexo da construção colaborativa e da base científica empregada em todo o processo de desenvolvimento da tecnologia educacional13. Além disso, sua disponibilização através de um endereço web de livre acesso (incluindo infográficos, podcasts e vídeos) formam um conjunto de ferramentas eficaz para a disseminação de conteúdos em linguagem audiovisual. A facilidade e rapidez de acesso, a proximidade e o dinamismo da teoria e da prática fazem com que essas opções sejam amplamente utilizadas, com ênfase na formação do público-alvo (profissionais de saúde)14,15.
É digno de nota que quando utilizada isoladamente, a tecnologia educacional pode ser um recurso que potencialize o alcance dos objetivos idealizados. Entretanto, não promove a mudança de comportamento e atitude do público a que é destinada16. A literatura aponta que essa mudança desejada relaciona-se com o trabalho ininterrupto resultante de ações educativas, participativas, criativas17 e complementadas por tecnologias educacionais consideradas meios, e não fins. É comum que componham kits de ferramentas baseadas em evidências, incluindo aqueles destinados à implementação de intervenções18.
Por outro lado, quando a tecnologia foi avaliada quanto a sua estrutura e a apresentação das informações, os resultados sugerem que sua linguagem é acessível e adequada ao público-alvo, seguindo uma sequência lógica, com disposição clara e objetiva dos assuntos. Entretanto, sabe-se que a produção de tecnologias educacionais exige atenção quanto ao seu conteúdo, abordagem e usabilidade, por ser considerada um complemento a demais procedimentos e métodos no processo de ensino-aprendizagem18. Somado a isso, seu uso requer ambiente e dispositivos apropriados que garantam qualidade de exibição18 para alcance de objetivos pedagógicos. Sabe-se que a combinação ideal entre tecnologia e interação humana pode levar a uma melhor compreensão e aplicação dos conceitos de prevenção de quedas pelos profissionais de saúde e, consequentemente, a melhores resultados para os pacientes, acompanhantes e para o sistema no geral19.
Importante destacar que para a tecnologia educacional atingir plenamente o êxito nas atividades de educação permanente e continuada, a identificação do público-alvo e o planejamento baseado nas características desses indivíduos são premissas importantes20. De igual forma, a utilização planejada de diferentes recursos educacionais em diversos contextos e produzidos de forma padronizada pode oportunizar melhores desempenhos por parte dos participantes21.
Para a correta implementação deste tipo de programa, a utilização deste tipo de tecnologia facilita a aprendizagem dos conteúdos e é fundamental para sensibilizar os doentes e cuidadores para a adoção de práticas de prevenção de quedas no hospital. Em relação à prática profissional em saúde, dá acesso fácil ao conhecimento e permite a inserção de ferramentas que possibilitem aos enfermeiros a tomada de decisão, reforça suas responsabilidades e, simultaneamente, transforma o processo de ensino-aprendizagem em algo produtivo e agradável. Com isso, aspectos importantes acerca do assunto abordado são reforçados e é possível atribuir a significação da tecnologia nessas práticas22. Estudo recente aponta que a educação era a estratégia mais eficaz para reduzir a taxa e o risco de quedas hospitalares. Normalmente estava associada a no mínimo mais uma intervenção, por exemplo, o uso de calçados seguros por pacientes internados23.
Assim, destaca-se que o desenvolvimento e a avaliação da tecnologia educacional em questão podem beneficiar as ações educativas que visam a implementação do programa Fall TIPS Brasil, permitindo que profissionais, líderes, champions, pacientes e acompanhantes reflitam e participem ativamente das questões do programa, por isso a importância de avaliá-la previamente à exposição ao público a que se destina24.
Dentre as limitações do presente estudo destacase o número de participantes em decorrência do período pandêmico que gerou demandas incomuns aos profissionais de saúde, limitando sua participação na etapa de avaliação da tecnologia.
CONCLUSÕES
Em conclusão, foi alcançado o objetivo de desenvolver e avaliar uma tecnologia educacional digital sobre prevenção de quedas entre pacientes de todas as faixas etárias, para ser utilizada por profissionais de saúde na implementação do programa Fall TIPS Brasil, de forma colaborativa.
Esta tecnologia deve ser uma ferramenta complementar para apoiar e melhorar o ensino e a aprendizagem na prevenção de quedas para líderes, champions, profissionais de saúde, pacientes e acompanhantes. Estudos futuros em relação à tecnologia educacional produzida e avaliada por especialista incluem uma etapa quase-experimental, que por sua vez precede a implantação piloto do programa Fall TIPS Brasil em um cenário hospital do Brasil