INTRODUÇÃO
A segurança do paciente é parte inerente da prestação de assistência à saúde1 e deve estar presente em todas as etapas do cuidado especialmente durante o processo de medicação do paciente que abrange desde a prescrição até o monitoramento da adequada atuação da medicação no organismo do indivíduo, garantindo inclusive ausência de interações medicamentosas2-4.
Dentro da perspectiva da segurança durante a medicação, erros de prescrição e a polifarmácia mais usualmente definida como o uso de cinco ou mais medicamentos ou ainda como o uso de mais medicamentos do que o necessário5,6 tem requerido atenção especial devido ao aumento de sua ocorrência. Estudos vêm evidenciando o aumento da associação da polifarmácia à eventos negativos para a saúde dos pacientes, sobretudo devido ao envelhecimento da população frequen-temente associado as doenças crônicas não -transmissíveis (DCNT)5,7.
O envelhecimento populacional que vem ocorrendo mundialmente nas últimas décadas ocasionado pela melhoria na qualidade e acesso a tecnologias da saúde tem acarretado em não somente mudança da pirâmide etária e no padrão de incidência e prevalência de doenças, mas também promove um aumento significativo no uso de medicamentos8, especialmente em pessoas idosas devido a taxa elevada de presença de multimorbidades que gira em torno de 50 a 98% e que requerem o uso de terapia medicamentosa9. O uso combinado de fármacos pode acarretar em diversos riscos em potencial, entre eles as interações medicamentosas, erros de administração e de prescrição inadequada, uso indevido de medicamentos, síndromes geriátricas e não adesão ao tratamento, além de poder resultar em diversos eventos adversos5,10.
Estratégias para aumentar a segurança durante a medicação, bem como diminuir a polimedicação e evitar erros de prescrição medicamentosa vem sendo amplamente discutidas em todos os níveis de saúde10-12. Na Atenção Primária em Saúde (APS), com vistas a garantir a prescrição segura de medicamentos e a qualidade da assistência prestada, novos estudos têm sido produzidos, assim como novas estratégias a fim de evitar a polimedicação também têm sido adotadas12,13.
Vale ressaltar que os erros de medicação estão entre os eventos adversos mais frequentes nesse nível de atenção e, em sua maioria, poderiam ter sido evitados em uma das fases do processo de medicação (prescrição, dispensação e administração)14. Dessa forma, é importante que, no processo de cuidado em saúde, os profissionais assegurem a qualidade da farmacoterapia evitando se o uso exacerbado de múltiplos fármacos, erros no processo de medicação, prescrição de medicamentos inapropriados e interações medicamentosas15,16.
Erro de medicação é atualmente um problema mundial de saúde pública, sendo o mais sério o de prescrição6,17. A prescrição de medicamentos é uma atividade importante para o processo de cuidados assistenciais aos pacientes18, e é vista como uma forma comum de atuação e relacionamento com o paciente. No entanto, cada decisão tomada com relação à prescrição, acarreta riscos que podem surgir em diversas nuances, desde a própria natureza do produto prescrito até sua forma de utilização e perfil do paciente assistido19.
Um estudo18 aponta que as prescrições têm papel ímpar na prevenção de erros de medicação e, sabe-se que tais erros podem decorrer de prescrições ambíguas, ilegíveis ou incompletas, ocasionando sérios danos ao paciente.
A legislação brasileira20,21 estabelece algumas normas para as prescrições a fim de assegurar sua qualidade, as quais necessitam apresentar-se de forma clara, legível e de fácil compreensão, sem rasuras e abreviaturas. Cada prescrição deve apresentar informações relativas ao usuário do medicamento, ao medicamento e ao prescritor, além da data de elaboração do documento20,21. Conforme a legislação vigente, para que seja elaborada uma prescrição de forma admissível é necessário que essa esteja legível e tenha os principais componentes: nome do paciente, forma farmacêutica e a nomenclatura do medicamento, de acordo com Denominação Comum Brasileira (DCB), e na sua omissão, utiliza-se a Denominação Comum Inter-nacional (DCI). Informações quanto ao uso interno ou externo dos medicamentos, via de administração, intervalos entre as doses, doses máxima por dia e duração do tratamento são essenciais para administração do medicamento. São obrigatórios a data explicitada, a assinatura e o carimbo do prescritor20.
A segurança na medicação é um dos requisitos para a segurança do paciente e manutenção da qualidade dos serviços em saúde conforme estabelecido pelo Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) e as respectivas responsabilidades das equipes de saúde e gestores com vistas a evitar danos aos pacientes22.
Frente ao exposto, o estudo teve como objetivo analisar as prescrições (eletrônicas e manuais) de usuários com hipertensão, diabetes, dislipidemias e doença cardiovascular, quanto à ocorrência da polifarmácia e dos tipos potenciais de erros de medicação, no contexto da Atenção Primária em uma Unidade Básica de Saúde (UBS), do Distrito Federal.
MATERIAL E MÉTODO
Estudo descritivo, transversal e retrospectivo de natureza quantitativa, baseado na avaliação de prescrições manuais e eletrônicas (segunda via), arquivadas na farmácia da UBS da Região de Saúde Oeste de Brasília (DF). A coleta ocorreu entre 18 de julho a 29 de setembro de 2017.
Foram incluídas no estudo as segundas vias das prescrições, que possuíssem pelo menos um medicamento prescrito para as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) - Hipertensão Arterial Sistólica (HAS), Diabetes Mellitus (DM), doença cardiovascular (DAC) e dislipidemia (DLP), de usuários de ambos os sexos e idades, referentes aos meses de janeiro a junho de 2017; e excluídas prescrições danificadas (rasgadas, apagadas ou ilegíveis), que dificultasse a identificação correta das informações ou que não incluíam medicamentos para tratar as doenças citadas nas linhas anteriores.
O estudo analisou as variáveis, através de um instrumento de coleta de dados elaborado com base na legislação vigente no Brasil20,21. Para realizar a verificação, os seguintes itens da prescrição foram analisados, com respostas do tipo sim ou não: legibilidade; usuários (nome completo, idade, gênero); prescritor (data; identificação do prescritor; categoria profissional); informações sobre o medicamento (nome do medicamento legível, forma farmacêutica, posologia completa, dose, concentração, via de administração, nome comercial e princípio ativo); e a presença de itens vedados, que podem induzir a erros (rasuras ou emendas e escrita abreviada). As prescrições de medicamentos ainda foram classificadas de acordo com o tipo de redação, em manuais: elaboradas manualmente pelo prescritor e em eletrônicas: digitadas pelo prescritor por meio de um sistema computadorizado. Verificou-se também a quantidade de medicamentos por prescrição e DCNT mais frequentes. A polifarmácia foi caracterizada como o uso de cinco ou mais medicamentos23.
Para facilitar a coleta dos dados, os mesmos foram agrupados e organizados em planilhas do Microsoft Office Excel e para examinar as diferenças entre os grupos utilizaram-se análises descritivas e inferenciais. A análise foi realizada com auxílio do software Package for the Social Sciences (SPSS®) versão 18.0. As variáveis categóricas foram relatados como frequências absolutas e relativas, as variáveis numéricas foram relatados como média e desvio padrão (mínimo e máximo). As taxas de erros foram calculadas com base nas oportunidades de erros observadas. Todas as variáveis foram analisadas na univariável e multivariável. O nível de significância considerado foi de 5%. O Odds Ratio (OR) foi calculado com intervalos de confiança (IC) de 95%. Para associações foram utilizados: Teste do qui-quadrado e Teste de Man-Whitney. Nesse estudo considerou os valores de p<0,005 significativo.
O estudo obedeceu a Resolução do Conselho Nacional de Saúde n° 466/2012. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria do Estado de Saúde do Distrito Federal
(SES/DF) número 1.355.211.
RESULTADOS
Das 1500 prescrições analisadas, 979 (65%) eram de usuários do sexo feminino e 521 (35%) do sexo masculino. Dentre estes usuários, 691 (46%) foram identificados com o uso de cinco ou mais medicações, ou seja, a polifarmácia.
A maioria 462 (66,9%) dos usuários em polifarmácia era do sexo feminino e esse estudo não apresentou significância quanto a este fator. Em contrapartida, ao analisar a idade e sua relação com a polifarmácia, observa-se que 51% dos usuários em polifarmácia tinham mais do que 50 anos de idade, além disso, usuários entre 61 a 70 anos eram os que mais tinham registro de polifarmácia em suas prescrições, correspondendo a 20,4% do total. Não obstante, ao contemplar a Tabela 1 e avaliar o valor de Odss Ratio é possível notar que quanto maior a idade maior é o risco de polifarmacia
(71 anos, OR: 3,61 e IC 95%: 1,99-6,55), sendo, portanto, o aumento da idade positivamente associado ao aumento da polimedicação. Todos os dados concernentes à idade dos usuários para quem foram prescritos os medicamentos apresentaram significância estatística.
Quanto à prevalência das doenças crônicas, a DM esteve presente em 453 (65,6%) usuários, a HAS representou 659 (95,4%), já 205 (29,7%) usuários apresentaram DAC e 439 (63,5%) a DLP. A presença de todas as DCNT apresentou significante e estiveram positivamente associados à polifarmácia, dentre as doenças crônicas as que mais apresentaram risco para a presença de polifarmácia foram: HAS podendo aumentando o risco de polimedicação em 5,47 vezes e a DLP aumentando o risco de presença de polifarmácia em 6, 40 vezes.
Quanto ao tipo de redação, um total de 1.063 (70,8%) prescrições foi realizado manualmente e 437 (29,8%) eram prescrições eletrônicas. Dentre as prescrições eletrônicas, 429 (98,2%) eram perfeitamente legíveis e compreensíveis, 3 (0,7%) apresentavam impressão legível apenas em parte de seu escopo, enquanto 5 (1,1%) não eram legíveis. No que se tangem as manuais, das 1.063 prescrições analisadas, apenas 686 (64,5%) apresentavam grafia completamente legíveis, enquanto 24 (2,3%) prescrições não possuíam grafia legível e 353 (33,2%) prescrições apresentavam algum trecho na qual a leitura se fazia irrealizável (Tabela 2).
As rasuras estiveram presentes em 9 (2,1%) prescrições eletrônicas e em 31 (2,9%) prescrições manuais. Todas as prescrições, manuais e eletrônicas, expunham o nome do usuário a quem pertencia, em contrapartida, 11 (2,5%) prescrições eletrônicas e 7 (0,7%) prescrições manuais não continham a data
Tabela 1 Características intrínsecas dos pacientes relacionados à polifarmácia na atenção primária. Ceilândia/Brasília, DF, Brasil, 2018.

em que foram realizadas. A ausência da data nas prescrições foi significativamente estatística e esta relacionada ao aumento de 1,83 vezes no risco de erro de prescrição medicamentosa.
Quanto ao nome do profissional prescritor, pôdese identificar que a maioria das prescrições estava com essa identificação, apenas 5 (1,1%) prescrições eletrônicas e 6 (0,6%) das manuais não exibiam esse dado. Já no que se diz respeito à classe profissional do prescritor, em todas as prescrições eletrônicas o responsável era o profissional médico, enquanto nas prescrições manuais somente 7 (0,7%) foram realizadas por profissional enfermeiro. A identificação de registro de alergias do paciente foi identificada em apenas uma de cada tipo de prescrições, não apresentando significância estatística.
Quanto à presença do nome legível do medicamento, é essencial para a segurança de todo o processo de medicação do paciente, pois possibilita a adequada identificação do medicamento prescrito, 433 (99,1%) das prescrições eletrônicas e 715 (67,3%) das manuais, apresentavam o nome totalmente legível. Entre as prescrições eletrônicas, 216 (49,4%) apresentavam a forma farmacêutica, já entre as prescrições manuais, sua maioria 612 (57,6%) não continham. Pode-se notar que apesar de não apresentar significância estatística a ausência dessa informação, que pode auxiliar na identificação da via de administração da medicação, está relacionada com o aumento de até 2,36 vezes no risco de erro de medicação.
Tabela 2 Distribuição de erros de medicação segundo tipo de prescrições (manuais e eletrônicas). Ceilândia/Brasília, DF, Brasil, 2018.

O registro da dose da medicação foi identificado em todas as prescrições eletrônicas, ao mesmo tempo em que 1.058 prescrições manuais continham a dose da medicação. A via de administração esteve ausente nas 156 (35,7%) e 408 (38,4%) prescrições eletrônicas e manuais, respectivamente. Apenas uma (0,2%) prescrição eletrônica e 4 (0,4%) prescrições manuais não continham a posologia. Ademais, a concentração do medicamento prescrito este presente 310 (70,9%) prescrições eletrônicas e em 686 (64,5%) prescrições manuais. O uso de abreviaturas não foi identificado em apenas 10 (2,3%) prescrições eletrônicas e 192 (18,1%) prescrições manuais. A presença de abreviaturas pode acarretar no aumento de 6,64 vezes a possibilidade de ocorrência de erros durante o processo de medicação do paciente. Quanto à nomenclatura, a utilização da Denominação Comum Brasileira (DCB) foi observada em 280 (64,1%) prescrições eletrônicas e entre 870 (81,8%) manuais. O tipo de nome contido na prescrição pode ser crucial durante a medicação já que essa variável apresentou significância estatística (Tabela 3).
DISCUSSÃO
Neste estudo, a legibilidade das prescrições manuais foi responsável por prescrições incompletas, ilegíveis ou pouco legíveis, demostrando que o fator de risco ilegibilidade foi praticamente eliminado com a prescrição eletrônica. Estudo abordando prescrições de medicamentos constatou que 47% das prescrições escritas à mão geraram erros no nome do paciente, em 33,7% houve dificuldade na identificação do prescritor e 19,3% estavam pouco legíveis ou ilegíveis. Segundo os autores quando comparadas, as prescrições manuais e informatizadas, estes índices podem diminuir, evidenciando uma redução de erros com o uso da prescrição eletrônica6,24.
O nome do usuário foi à única informação que esteve totalmente presente entre as prescrições. Dados semelhantes foram observados em uma farmácia do Município de Lajeado/RS (96,6%)25. A prescrição faz parte do rol de documentos de ordem pessoal e intrasferível, portanto é necessário que contenha informações especificas sobre o usuário para a qual foi dispensada. A falta de identificação pode acarretar no comprometimento do contato do farmacêutico após a dispensação em caso de necessidade22. Informações sobre a identificação do prescritor foram observadas na maioria das prescrições, corroborando com achado de estudo realizado em uma farmácia comunitária da Paraíba, onde 99,3% das prescrições continham assinatura do profissional; enquanto no Rio Grande do Sul esse dado mostrou-se presente, porém, um pouco menor (83,2%)25,26. A identificação do prescritor é importante em função das responsabilidades legais.
Dentre as prescrições avaliadas, a maior parte era proveniente de médicos, seguido respectivamente de enfermeiros. Frequentemente, em UBS os profissionais enfermeiros fazem prescrição ou transcrição da prescrição médica durante as consultas de enfermagem, conforme estabelece a Lei 7.498/86(27). Uma informação importante e que na maioria das vezes passa despercebida é a data, esta deve ser indispensável e relevante para assegurar a validade da prescrição, pois indica a continuidade de um tratamento ou reutilização de uma prescrição. Nesse estudo, a ausência dessa informação esteve relacionada ao aumento do risco de erros de medicação.
Tabela 3 Distribuição de erros de medicação segundo tipo de prescrições (manuais e eletrônicas). Ceilândia/ Brasília, DF, Brasil, 2018.

Os erros encontrados com maior frequência em nosso estudo foram ausência de forma farmacêutica, via de administração e concentração, em ambas as prescrições. Estudos apontam que a falta de informações essenciais sobre o medicamento, tais como: concentração, forma farmacêutica, via de administração e posologia (dose, frequência e duração do tratamento), pode levar ao desperdício de recursos financeiros, além de prejuízo terapêutico ao usuário28. A dose incorreta dos medicamentos foi o tipo de erro mais frequente encontrado em uma Atenção Primária da Suíça. Os incidentes identificados nesse estudo estavam, em sua maioria, relacionados à pacientes portadores de doenças crônicas, idosos em uso de polifarmácia e com ausência de orientação do profissional ao paciente29.
Isso implica em tratamentos inadequados e ineficazes, podendo refletir uma possível diminuição da qualidade do atendimento realizado pelo prescritor, em uma dispensação errônea, pelo dispensador ou em um tratamento de difícil adesão para o usuário, devido à ausência de informações necessárias para sucesso na terapêutica medicamentosa30.
A despeito da alta prevalência de prescrição pela denominação genérica encontrada neste estudo, o valor encontrado não é o ideal já que o recomendado é que 100% dos medicamentos sejam prescritos em consonância com a nomenclatura da DCB25. Cabe ressaltar que o hábito de prescrever pelo nome genérico pode ter grande impacto na racionalização das ações da assistência farmacêutica, reduzindo os custos de aquisição desses produtos e facilitando a adoção de protocolos ou padronização de esquemas terapêuticos. Além disso, a utilização do nome comercial se dá pelo marketing e por pressão da indústria farmacêutica sobre os profissionais prescritores25,31,32.
A utilização de abreviaturas está entre as causas mais citadas de erros de medicação por seu potencial de confusão e falhas de comunicação. Neste estudo, a quase totalidade das prescrições apresentaram abreviaturas, apenas uma pequena porcentagem das prescrições analisadas não continham abreviaturas. As ações de prevenção de erros associados às abreviaturas são simples, efetivas e factíveis em qualquer instituição de saúde. Elas se fundamentam na educação dos profissionais sobre o tema e na elaboração e ampla divulgação de uma lista contendo as abreviaturas, siglas e símbolos que nunca devem ser empregados e os respectivos riscos associados ao seu uso33.
Frente a essa realidade, sugere-se que as unidades de saúde elaborem, formalizem e divul guem um manual ou lista de siglas e abreviaturas padronizadas em concordância com a literatura e terminologia técnica recomendadas, de uso obrigatório a serem utilizados no registro de documentos de todos os profissionais, de modo a promover e melhorar a comunicação entre os membros da equipe de saúde.
A rasura apesar de não ter sido frequente mostrou-se presente, assim como ausência de registro de alergias na maioria das prescrições. Destaca-se a importância da colaboração entre os prescritores para que se consiga atingir a padronização das prescrições, diálogos abertos entre a equipe interprofissional e pacientes, para diminuir as dúvidas relativas às prescrições26.
A hipertensão, corroborando com outros estudos11,34, foi a condição crônica mais frequente e apresentou associação intensa com a polifarmácia.
O uso de medicamentos crônicos por idosos é uma importante dimensão a ser considerada na assistência ao idoso e a polifarmácia surge como um indicador para o uso mais seguro e eficaz dos medicamentos, evitando o risco de iatrogenia, alterações na farmacodinâmica e farmacocinética, efeitos adversos e pioras funcionais34,35.
A polifarmácia encontrada neste estudo mostrou-se semelhante à relatada por entrevistados em um município de São Paulo34. A média de medicamentos por prescrição verificada no presente estudo talvez possa ser justificada ao considerarmos a predominância das doenças crônicas, que leva os usuários a fazerem uso de múltiplas medicações, e dessas doenças estarem associadas a outras comorbidades. Entre os fatores que contribuem para a polifarmácia, as doenças crônicas são as que apresentam maior relevância e associação36. A epidemia de DCNT resulta em consequências devastadoras para os indivíduos, famílias e comunidades, além de sobrecarregar os sistemas de saúde11.
Alguns fatores podem contribuir para o consumo elevado de medicamentos, como a baixa frequência de uso de tratamentos não farmacológicos para as doenças crônicas e/ou outros problemas de saúde e o fácil acesso as medicações36. De modo que os usuários devem ser encorajados e estimulados, por meio das políticas públicas disponíveis, quanto à importância da aderência a medidas não medicamentosas no controle e redução das doenças crônicas, o que consequentemente reduziria o uso não racional e excessivo de medicamentos.
A faixa etária da população idosa observada no presente estudo foi semelhante à identificada em um estudo25 na UBS de Lajeado/RS e em uma farmácia comunitária de São Luiz do Gonzaga/ RS37. A idade é um fator com grande relevância, principalmente em relação às orientações para crianças e idosos, a fim de evitar superdosagem ou medicamentos inadequados a estas faixas etárias. Logo, garantir a segurança da farmacoterapia nos pacientes idosos é uma tarefa complexa. Devem-se considerar as alterações fisiológicas e consequentes mudanças no perfil farmacocinético e farmacodinâmico de inúmeros fármacos, além da presença de um quadro de morbidades que tende a potencializar tais modificações38.
É relevante destacar que nem sempre o uso de múltiplas medicações pelos idosos ocorre de maneira equivocada, já que muitos necessitam dos medicamentos para realizar o controle de doenças e sinais e sintomas; porém taxas elevadas de emprego da polifarmácia estão mais frequentemente relacionadas ao aumento de uso indevido de medicações e às interações medicamentosas demandando a precaução dos profissionais de saúde a fim de evitar erros de medicação39,40. Portanto, o principal desafio para qualificar a atenção em saúde é garantir que a prescrição de múltiplos medicamentos seja apropriada e segura. Medidas como a revisão dos medicamentos e a potencial desprescrição devem ser avaliadas, principalmente por médicos generalistas ou farmacêuticos, a fim de personalizar o tratamento em pessoas com multimorbidade ou vulnerabilidade específica11.
O uso de múltiplos medicamentos, ou polifarmácia, é comum e crescente na prática clínica, principalmente em pessoas acima de 65 anos. Dentre as razões que explicam esta prática, destacam-se os tratamentos não baseados em evidências, a adoção de combinações com potenciais interações medicamentosas; o tratamento farmacológico dos efeitos secundários de outros medicamentos; e a prescrição simultânea, por vários médicos, sem que ocorra a necessária conciliação terapêutica para o paciente11.
Apesar do sexo feminino não ter apresentado diferenças significativas quanto ao masculino, em outros estudos o sexo feminino esteve associado ao maior uso de polifarmácia41,42. Os motivos das razões do uso de medicamentos entre idosas, independente da polifarmácia, parecem estar ligados a diversas variáveis, dentre elas as de ordem biológica, as de ordem psicológica e também as variáveis de ordem sociocultural41.
A atenção primária à saúde insegura propicia a diminuição da qualidade do cuidado prestado aos usuários. Logo, a identificação de potenciais ricos para erros é crucial para a identificação de possíveis soluções e para a difusão e melhora de medidas que fortalecem a segurança do paciente e o trabalho desenvolvido em equipe na APS11.
CONCLUSÃO
Os resultados mostraram que nenhuma das prescrições apresentava todos os requisitos legais exigidos, revelando déficits de informação necessários e obrigatórios. Pôde-se observar que as prescrições manuais apresentaram frequentes erros, além disso, a prescrição eletrônica mostrou redução desses erros em relação à prescrição manuscrita. Observa-se que a prescrição de medicamentos demanda sensibilização dos profissionais prescritores a fim de evitar potenciais erros de medicação, tais como os relatados nesta investigação.
Os resultados do estudo promovem a necessidade de avançar para a prescrição eletrônica para melhorar a qualidade da prescrição e a segurança do paciente. Além disso, o estudo também enfatiza a importância e responsabilização da escrita completa com prescrição clara e legível, por parte dos prescritores. Também destaca a necessidade de mais programas de treinamento, educação continuada e avaliação regular das habilidades de prescrição para minimizar o risco de erros de medicação e como isso imprimir segurança no ciclo do uso do medicamento e melhoria da qualidade das prescrições.
As limitações deste estudo incluíram a impossibilidade dos resultados serem estendidos a outros países já que a APS assume diferentes arranjos no contexto de saúde de cada país e a abrangência do estudo, realizado em apenas uma UBS, além disso, a falta de maiores informações sobre os usuários de medicamentos impede mensurar detalhadamente quais os possíveis problemas que os erros de prescrição poderiam ocasionar, demonstrando negligencia de informações por parte dos profissionais de saúde.
Sendo assim, como agenda futura de pesquisa, novos estudos com essa temática podem ser realizados abrangendo um maior quantitativo de participantes e UBS, assim como, a reconciliação e uso inapropriado de medicamentos para pessoas idosas, visando o desenvolvimento de políticas de segurança do paciente e redução de erros de medicação, destaca-se também a necessidade de realização de estudos com o foco nas interações medicamentosas no contexto da Atenção Primária em saúde a fim de subsidiar protocolos de cuidado.
Espera-se que os resultados deste estudo possam contribuir para alertar e conscientizar os prescritores quanto à importância de uma prescrição de medicamentos segura, possibilitando assim a melhoria da qualidade na assistência e segurança no uso de medicamentos na atenção primária.