INTRODUÇÃO
A violência no trabalho, considerada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como "qualquer ação, incidente ou comportamento que se afaste da conduta razoável e na qual uma pessoa é agredida, ameaçada, prejudicada, ferida no decurso, ou como resultado direto, do seu trabalho"1 tem sido considerada um problema de natureza social e de saúde pública no Brasil e no mundo2,3.
Estima-se que 80% de toda a violência no trabalho afeta profissionais de saúde da Ásia, América, Europa, Oriente Médio, Oceania e África4. Ademais, resulta em repercussões negativas em nível individual, coletivo e institucional, como o afastamento dos profissionais de seu ambiente laboral e impactos na segurança do paciente5-7.
A violência possui origem e consequências variadas, sendo provocada por pessoas, grupos, classes ou nações que causam danos a uma ou a diversas pessoas em diferentes intensidades, acometendo a integridade física, moral, psicológica e espiritual5. Entre as principais causas da violência, destaca-se os tipos de serviço de saúde existentes, a sobrecarga de trabalho e estresse dos profissionais8, bem como o contato direto com usuários dos serviços de saúde, em que estes podem estar estressados por sua condição de saúde, pela estrutura da instituição em que estão recebendo assistência, entre outras razões relacionadas a insatisfação com o atendimento prestado9.
Como exemplo, os serviços de urgência e emergência, como as Unidades de Pronto Atendimento (UPA), são os locais que possuem maior ocorrência de violência no trabalho8, em que até 98% dos profissionais vivenciam formas físicas ou verbais de violência10 devido a fatores como elevada demanda de atendimentos, dimensionamento de recursos humanos, físicos e financeiros disponíveis. No Brasil, as UPA são estabelecimento de complexidade intermediária, com funcionamento de 24 horas, todos os dias da semana, e integram a Rede de Atenção à Saúde (RAS)11.
Nestas unidades o enfermeiro, enquanto membro de uma equipe Interprofissional, é responsável por realizar uma prática humanizada que permite o atendimento de todos as pessoas que buscam os serviços de saúde, de acordo com suas necessidades e risco apresentados11. No entanto, também é uma das categorias profissionais mais acometida pelas agressões10,12-14.
Atualmente observa-se uma lacuna do conhecimento referente a violência no trabalho contra a equipe de enfermagem e a importância da adoção de estratégias de enfrentamento por parte dos profissionais nessas situações8, como o uso da força pessoal, crenças espirituais e competência social.
Além disso, em países como os Estados Unidos, existe políticas obrigatórias tanto para a rede privada como pública de tolerância zero com relação à violência no local de trabalho que inclui trabalhadores, pacientes, clientes, visitantes, e outras pessoas, incentivando a denúncia de novos casos15. No entanto, há inúmeras regiões no mundo que não possuem até o momento legislação ou políticas públicas com estratégias especificas para prevenção da violência contra profissionais de saúde16, com destaque para a enfermagem brasileira17.
Assim, considerando que essa temática ainda é incipiente com enfermeiros que atuam em UPA, sobretudo no Brasil, e a importância destes profissionais expressarem e compartilharem suas experiências e medidas de enfrentamento adotadas no seu processo laboral10,18, este estudo teve como objetivo revelar as vivências e as estratégias de enfrentamento diante da violência no trabalho sofrida por enfermeiros de Unidades de Pronto Atendimento.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, com abordagem qualitativa desenvolvido em uma cidade do interior do estado do Paraná, Brasil. Em sua RAS pelo Sistema Único de Saúde (SUS), possui 874 leitos distribuídos em três hospitais gerais para atendimento de alta complexidade, dos quais um é público e dois são filantrópicos. Dispõe de um hospital filantrópico especializado de alta complexidade composto por 183 leitos e mais dois hospitais públicos para atendimento de média complexidade, totalizando 252 leitos. Além destes serviços, possui 54 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e duas UPA.
Para este estudo, optou-se por investigar a violência no trabalho com os enfermeiros das duas UPA. Destaca-se que as UPA foram às instituições selecionadas para a investigação, devido à alta demanda e permanecem 24 horas em atendimento em todos os dias da semana, e estarem localizadas em áreas afastadas do centro da cidade o que pode se inferir que sejam locais com maior predisposição para atos de violência.
As duas UPA contam com um total de 24 enfermeiros que desenvolvem suas atividades em regime de trabalho de 12 horas trabalhadas e 36 horas de descanso e atende uma média de 400 pacientes diariamente.
Foi selecionado para o presente estudo apenas os profissionais enfermeiros, com a finalidade de uniformizar a amostra, pois sabe-se que os processos e funções dos membros da equipe de enfermagem são heterogêneas e cada um pode ter vivenciado a violência de forma diferente.
Para a realização do estudo adotou-se os seguintes critérios de inclusão: ser enfermeiro concursado/ estatutário há no mínimo 12 meses e ter sofrido violência laboral de qualquer natureza. O critério de exclusão foi estar de licença por quaisquer motivos.
Para tanto, realizou-se contato telefónico com todos os enfermeiros pertencentes às duas UPA, ou seja, os telefones eram pertencentes às instituições e as ligações foram realizadas em todos os períodos de atendimento (Manhã, Tarde e Noite) para que fosse levantados todos os enfermeiros potenciais para serem incluídos na pesquisa. No momento da primeira ligação esclareceu-se os objetivos do estudo e foi identificado se haviam sofrido atos de violência no trabalho. Destaca-se que no contato inicial, todos afirmaram ter tido ao menos uma experiência de violência em seu processo de trabalho.
Aplicados os critérios de inclusão e exclusão, verificou-se que dois profissionais estavam em licença de saúde e um enfermeiro recusou-se a participar, perfazendo assim 21 enfermeiros com possibilidades para participar da pesquisa. A recusa se deu de acordo com o argumento verbalizado de não gostar de participar de entrevistas.
A coleta dos dados foi realizada até atingir o ponto de respostas repetidas13, ou seja, quando houvesse convergência das falas, o que aconteceu com a entrevista 17. Ainda assim, optou-se por proceder a entrevistas com mais quatro enfermeiros, visto que estes profissionais verbalizaram o desejo de participar.
As entrevistas foram coletadas pela primeira autora, no período de novembro a dezembro de 2018, por meio de entrevistas individuais semiestruturadas, com duração média de 31 minutos, gravadas por meio das seguintes questões norteadoras: De acordo com a sua percepção, quais os motivos que te levam a sofrer atos de violência laboral? Qual sua percepção sobre o processo laboral diante da violência? Que sentimentos você vivencia frente à violência laboral? Quais estratégias você utiliza quando exposto à violência laboral? Ainda, foram levantados dados de caracterização dos participantes como sexo, faixa etária e turno de trabalho.
As questões norteadoras passaram por teste piloto com cinco enfermeiros de UPA pertencente à outra cidade, sendo que se mostraram eficazes para atingir o objetivo proposto.
As entrevistas foram agendadas previamente por meio de telefones e realizadas nas UPA em todos os períodos, de acordo com a disponibilidade de cada enfermeiro informada no contato telefónico das próprias UPA. Foram realizadas individualmente, em sala reservada na própria instituição, de modo a manter sua privacidade e maior conforto e teve duração aproximada de 31 minutos, sendo gravadas com a anuência prévia dos participantes.
Vale ressaltar que as entrevistas foram transcritas na íntegra pela pesquisadora principal e revisadas por outra pesquisadora do estudo, com o objetivo de obter precisão, exatidão e fidelidade dos depoimentos. Não houve divergência nas transcrições.
A análise de conteúdo proposta por Bardin foi utilizada para tratamento das falas, devido ao fato da interpretação transpor dois polos, sendo elas a intensidade da objetividade e a riqueza da sub-jetividade. Este referencial metodológico abrange basicamente avaliar as informações coletadas na pesquisa, para melhor entendimento de seus resultados, agregando elementos em características comuns, bem como o maior número de informações existentes19.
Assim, os dados coletados foram organizados nas seguintes etapas cronológicas da análise de conteúdo: 1) Pré-análise, momento de organização e reconhecimento das ideias iniciais, o que ocorreu por meio de leitura flutuante, assim foi identificado os indicadores para nortear as informações coletadas; 2) Exploração do material, que se configurou na codificação a partir da seleção de fragmentos dos textos em unidades de registros e, posteriormente, a agregação dessas informações em categorias; e 3) Tratamento dos resultados, inferência e interpretação, o que possibilitou captar os conteúdos manifestos e latentes agregados ao material coletado. Enfatiza-se que nesta etapa elegeu-se as categorias empíricas respeitando a especificação do fenómeno investigado e procedeu-se o tratamento dos resultados, discussões e conexões entre os dados coletados e a literatura científica19.
O estudo seguiu os preceitos éticos e recebeu aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa, parecer n° 2.732.477 e CAEE n° 89148618.3.0000.5231. Para preservar o anonimato dos participantes as falas foram identificadas com a letra E, seguida pela numeração de um a 21.
RESULTADOS
A maioria dos entrevistados era do sexo feminino (80%) com a faixa etária entre 40 e 49 anos (66,6%). Com relação ao turno de trabalho, 52,3% eram do noturno, 38% do diurno e 9,5% não tinham turno fixo, pois realizavam a cobertura de plantões de colegas.
Das falas dos enfermeiros emergiram quatro categorias temáticas: 1) Os motivos da violência no trabalho do enfermeiro; 2) Desdobramentos da violência no processo de trabalho da enfermagem; 3) Os sentimentos vivenciados pelo enfermeiro diante da violência laboral; e 4) Os enfrentamentos utilizados pelos enfermeiros diante da violência laboral:
1) Os motivos da violência no trabalho do enfermeiro: Os enfermeiros entrevistados atribuem a demora nos atendimentos e a insatisfação com o tratamento como motivos que levam os pacientes a realizar atos de violência:
Os pacientes muitas das vezes precisam esperar horas para serem atendidos. Então eles nos agridem com palavras de baixo calão e até chutes nas paredes (E4). Pela demora no atendimento os pacientes começam a ficar agressivos (E15). A insatisfação com o tratamento é um fator de sofrermos violência pelos pacientes (E16).
Os entrevistados indicaram, ainda, que o desconhecimento da população sobre os serviços prestados nas UPA se configura como causas de atos de violência impetrados contra a enfermagem:
Porque é pronto socorro, eles acham que o atendimento é imediato, mas tem a classificação de risco. Esse desconhecimento da população leva a atos de violência (E9). A população pensa que a UPA atende qualquer problema, porém temos as prioridades no atendimento e aí ocorrem atos de violência contra nós (E14).
Os enfermeiros relataram também, que a falta de medicamentos e de médicos são fatores motivadores de atos de violência contra o enfermeiro, como pode ser verificado nos seguintes fragmentos:
Quando faltam profissionais e quando faltam medicamentos os usuários gritam, xingam, esbravejam e até chutam as paredes (E2).
Às vezes falta o profissional médico, falta colaborador da enfermagem para o atendimento, falta medicação e até mesmo exames para conseguir definir um diagnóstico. Aí os usuários e acompanhantes descontam em nós por meio de diferentes atos de violência (E7).
Os participantes revelaram que o serviço público apresenta-se também como um motivo para receberem atos de violência vindos dos usuários, visto que acreditam por se tratar de um serviço de má qualidade e que paga impostos e, por sua vez, os salários dos trabalhadores:
Os pacientes verbalizam que pagam o nosso salário, os impostos e se exaltam verbalizando que o serviço é de má qualidade (E6). O paciente já vem com uma ideia de que o serviço do SUS é ruim (E8).
Perceberam que o fato de determinados dias na UPA contar, majoritariamente, com mulheres atendendo configura-se em uma razão para sofrer violência:
Parece que eles têm mais respeito com homem porque acham que mulher é frágil (E3). Já percebi que quando estamos com o quadro maior de mulheres para atender a violência é mais intensa (E10).
Por fim, os enfermeiros afirmaram que se sentem desprotegidos por não possuírem autoridade responsável pela segurança do património e da equipe. Esse aspecto foi revelado nos seguintes depoimentos:
Aqui a gente não tem segurança alguma. As portas ficam abertas, entra quem quiser. A gente não tem um guarda (E1). A UPA fica aberta 24 horas, nós corremos o risco de pessoas entrar com uma arma na mão, pau ou outro objeto que pode servir para atos de violência (E11). Ficamos à mercê, entra quem quer e a hora que quer (E16).
2) Desdobramentos da violência no processo de trabalho da enfermagem: Os enfermeiros verbalizaram que há interferências no processo laboral nas UPA, visto que os profissionais adoecem mentalmente, ficam estressados e alguns até com diagnóstico de esgotamento, além de ser causa de absenteísmo e presenteísmo:
A violência sofrida interfere em nossas atividades cotidianas, já tive membro da equipe tendo diarreia de não conseguir ficar no trabalho (E2). Tenho funcionários que solicitaram afastamento e estão em tratamento com psicólogo e psiquiatra, estão tão estressados que alguns têm diagnóstico de esgotamento nervoso (E10).
Ainda, foi verbalizado pelos enfermeiros que o processo laboral fica muito prejudicado diante da necessidade de realocar alguns membros da equipe de enfermagem para outras funções, objetivando suprir a falta de segurança, o que muitas vezes provoca um desfalque na equipe:
A violência prejudica em todos os sentidos, chegando a termos que realocar membros da equipe para controlarem a entrada da população na unidade. Isso interfere em nosso processo laboral porque essa realocação diminui o número de recursos humanos para a assistência (E18). Com frequência temos que realocar funcionários para outros serviços. Esse fato prejudica nosso planejamento laboral, além de ser um desvio de função (19).
3) Os sentimentos do enfermeiro diante da violência laboral: Os enfermeiros referiram sentimentos de medo, de estarem acuados, inseguros, aflitos e impotentes diante da violência:
Eu tenho muito medo (E3). Acuada e insegura (E6). Na verdade, eu fico bem aflito e inseguro porque estamos aqui às duas horas da manhã, três horas da manhã, no meio do nada e a gente fica bem exposto, eu me sinto impotente, de mãos atadas (E17).
Ainda, alguns participantes revelaram, em seus depoimentos, que são indiferentes e não ligam mais para os atos de violência, visto que já se acostumaram. Tais falas mostram que o fenómeno já se banalizou/cristalizou como normal:
Eu não sinto mais nada é indiferente, acho que já me acostumei (E9). A violência não me afeta mais, acabei me conformando que não há o que se fazer. Agora estou indiferente a ela (E21).
4) Os enfrentamentos utilizados pelos enfermeiros diante da violência laboral: Pode-se identificar, pelas falas dos enfermeiros, que uma das estratégias utilizadas é comunicar às autoridades locais para que se atentem para o problema da violência que vivenciam:
Já acionamos os vereadores, sindicatos, gestores e outros políticos para tomarem providências, mas nada aconteceu (E5). Já comunicamos às autoridades e aos gestores sobre a violência que estamos expostas, mas nada foi feito para melhorar essa situação (E8). A gente liga para a guarda municipal quando só conversar não resolve (E17). Chamamos a guarda municipal, polícia militar e fazemos boletim de ocorrência quando percebemos que não conseguimos resolver com conversa, com diálogo (E20).
Outra forma utilizada pelos enfermeiros diante da violência é escutar, manter a calma, buscando estabelecer uma comunicação eficiente, bem como entender as pessoas colocando-se no lugar da mesma:
Tentar ao máximo possível apaziguar, conversar, estabelecer uma comunicação de fato e manter a calma. Tentar manter a calma e não entrar na da pessoa (E3). Coloco-me no lugar da outra pessoa e mantenho a calma, tentando resolver o problema o mais rápido possível (E18).
Ainda pode-se verificar a espiritualidade como uma forma de proteção para os enfermeiros entrevistados:
Eu costumo rezar e rezar para me proteger e, também, meus colegas (E7). Eu rezo antes de começar a trabalhar (E12).
DISCUSSÃO
Os entrevistados da presente investigação em suas falas desvelaram que ser do sexo feminino se configura como fator para sofrerem atos de violência. É fato que ainda há um certo preconceito da população em relação às atividades profissionais desenvolvidas pelo sexo feminino, que são menos respeitadas do que as exercidas pelo sexo oposto20. Ademais, a violência no setor da saúde acomete majoritariamente mulheres e a categoria profissional da enfermagem que exercem seu processo de trabalho principalmente em hospitais e unidades de emergência21-23.
Estudo norte-americano, sobre a violência laboral em profissionais da saúde, mostrou que há diferenças entre os sexos, ou seja, as mulheres têm mais chances de sofrerem o abuso sexual enquanto os homens estão mais propensos a sofrerem a violência física. Outro ponto a ser destacado diz respeito ao fato da enfermagem ter o predomínio de mulheres prestando os cuidados, isto é, são pessoas que estão mais próximas dos pacientes e acompanhantes, o que pode se constituir como um fator de maior exposição aos atos violentos24.
Pesquisa realizada com enfermeiros na Austrália teve resultados semelhantes ao da presente pesquisa ao identificar que o tempo de espera, ou seja, a demora no atendimento dos pacientes foi o principal motivo da violência sofrida pela enfermagem25. Estudo realizado no estado de São Paulo mostrou que em 53% dos episódios relatados o agressor foi o paciente, motivado pelas más condições e pela demora no atendimento e pela espera infindável para o agendamento de consultas6.
Os participantes do presente estudo verbalizaram que o desconhecimento por parte dos pacientes referente ao fluxograma de atendimento das UPA é uma causa que favorece os atos de violência. O esclarecimento aos pacientes e familiares no que concerne à estrutura, à capacidade e à dinâmica de atendimento da equipe de saúde, pode diminuir a sua ansiedade e preocupação durante o processo de espera do atendimento. Essas medidas são capazes de evitar interpretações negativas a respeito do atendimento e, por sua vez, prevenir possíveis atos e verbalização de violência26.
Vale ressaltar que os pacientes que não entendem a classificação de risco ao serem informados que seu caso não é compatível com a complexidade do serviço revoltam-se e impetram atos violentos contra os profissionais27.
A falta de pessoal, em especial, de profissionais médicos diminui o ritmo de atendimento, o que aumenta o tempo de espera, sendo este um fator de violência com a equipe de enfermagem. Os recursos escassos também causam revolta nos profissionais que não podem propiciar o mínimo de conforto para o atendimento de seus pacientes, gerando a sobrecarga laboral que, por sua vez, pode prejudicar a qualidade dos cuidados prestados28.
Uma pesquisa sobre violência no labor indicou que o abuso verbal esteve presente em 65,9% das práticas de violência em serviço público, e quando se trata de violência física, 16% dos trabalhadores públicos relatam a agressão, enquanto apenas 4,4% dos empregados privados referem-se a essa prática29.
Nos depoimentos dos participantes deste estudo foi identificado que a violência pode provocar danos à saúde mental, como estresse e esgotamento, que pode ser a síndrome de burnout. As con sequências de um ambiente laboral estressante e permeado de violência provocam danos à saúde mental e psicológica, que podem contribuir para o surgimento da depressão. Nesse sentido, os trabalhadores expostos à violência no ambiente de trabalho têm mais chances de desenvolver sintomas característicos da síndrome de burnout e quanto mais recorrentes, mais grave será a consequência para eles30.
Destaca-se que o sofrimento advindo de situações de violência também atinge a própria instituição, quando a força de trabalho é diminuída e a equipe torna-se adoecida e desgastada, gerando um aumento nos custos6. A realocação de profissionais para fazer atividades de segurança também influenciou o processo laboral segundo os depoentes do presente estudo, visto que diminuiu o número de trabalhadores para prestar assistência, bem como exercer suas reais atribuições. Sabe-se que trabalhar com o número de recursos humanos insuficientes gera sobrecarga de atividades e, por sua vez, leva ao adoecimento do trabalhador de enfermagem31.
No que concerne aos sentimentos de insegurança revelados pelos entrevistados da presente pesquisa, vão ao encontro com as afirmações de autores que colocam que os sentimentos de insegurança32) e medo podem estar fortemente associados aos sintomas presentes na síndrome de burnout e causar danos psíquicos ao trabalhador, além de propiciar o absenteísmo. Estudo de revisão mostrou que a exposição diária às situações de violência modifica o modo como o enfermeiro e sua equipe atende aos pacientes, trazendo à tona os sentimentos de impotência e frustração, além da redução do bem estar e falta de vontade de realizar seu trabalho18. Todas estas características podem favorecer o surgimento de doenças e de agravos à saúde1.
Pesquisa sobre a violência no trabalho verificou que apenas 17,8% dos enfermeiros não mostraram qualquer preocupação com o assunto e 23,4% estavam pouco preocupados com a violência laboral20.
Estudo demonstrou que a equipe de enfermagem, diante da falta de medidas tomadas pelo serviço e pela frequência das agressões, passa a considerar a violência inevitável e, até mesmo, sentir resignação diante de tais atos24.
No que diz respeito às medidas de enfren-tamento, os discursos dos enfermeiros da presente investigação mostram que há dificuldades para implementá-las, visto que já procuram diversos gestores e não obtiveram resolutividade. É fato que a falha na hierarquia estrutural dos serviços de saúde pode-se configurar como um problema no combate à violência laboral, visto que não há autonomia suficiente para a tomada de decisões e elaboração de estratégias de enfrentamento3.
Autores afirmam que poucas ações e ou estratégias têm sido adotadas pelos dos gestores e empregadores no que concerne às questões que envolvem medidas de controle e prevenção da violência nas instituições de saúde, e que não há uma preocupação com o fenómeno da violência impetrada contra profissionais da saúde33.
Pesquisa realizada em serviços de urgência propós estratégias para prevenir, gerenciar e lidar com eventos violentos com a equipe de saúde por meio de políticas internas para a solução de conflitos, além da notificação obrigatória. Também foi proposta uma cultura interna, na qual a violência contra os trabalhadores de saúde não deve ser esperada, tolerada ou aceita na instituição7.
Estudo indicou que uma das medidas de autoproteção adotadas pelos enfermeiros que sofrem violência no ambiente de trabalho é o silêncio, visto que acreditam que a discussão pode gerar mais violência28. Outro estudo verificou que a maioria dos enfermeiros sofre violência verbal, bem como os que sofreram algum tipo de violência física também não tomou qualquer medida de proteção, ou seja, calaram-se29.
Outra estratégia de defesa adotada pelos participantes do presente estudo, diz respeito a ouvir, manter a calma e entender a pessoa colocando-se no lugar dela. Estudo mostrou resultados semelhantes ao revelar que a equipe de enfermagem ao sentir as pressões no labor, as cobranças e o desrespeito de alguns usuários, buscou como estratégia o ouvir e manter a calma diante das agressividades impetradas pelos pacientes27.
Outra estratégia de defesa revelada pelos participantes da pesquisa está relacionada com acionar a guarda municipal, a polícia militar e realizar boletim de ocorrência. É fato que essas medidas são essenciais para diminuir ou coibir atos de violência contra os trabalhadores. Sabe-se que a subnotificação das ocorrências mostra-se como uma das falhas para banir a violência. Assim, se faz necessário que seja instituído dentro das instituições a cultura de que todo tipo de agressão seja reportado aos órgãos responsáveis34.
Participantes de uma pesquisa desenvolvida na Austrália sugerem o aumento do número de pessoas responsáveis pela segurança para tentar conter as ações violentas, além da introdução de uma política de tolerância zero contra a violência25.
No que concerne a rezar/orar como estratégia de enfrentamento, as orações configuram-se como prática que os auxilia no fortalecimento emocional quando sofrem algum tipo de violência35. Porém, este tipo de estratégia defensiva não tem um papel mobilizador para mudanças necessárias neste cenário, por mais que ajude a manter o equilíbrio psíquico25.
Enfatiza-se que é preciso refletir e buscar formas de se impedir as causas de violência no ambiente de laboral da enfermagem, sendo imperioso que haja uma força tarefa conjunta de estímulo multidimensional entre trabalhadores, gestores, usuários e órgãos de classe, em nível local, regional, nacional e mundial, operacionalizado por programas/políticas que, ajustados a cada realidade, possam propiciar melhores condições laborais e valorização social dos trabalhadores de enfermagem em cada instituição de saúde36-38.
Por fim, os limites do estudo estiveram relacionados aos dados de enfermeiros de apenas duas UPA de uma cidade do interior do Estado do Paraná, o que impede sua generalização, visto que os dados são de natureza subjetiva, desvelados em um dado momento. Assim, sugere-se outros estudos com esta população em outros locais, bem como da equipe de enfermagem ou equipe de saúde.
Denota-se que o objetivo foi alcançado e acredita-se que estudo avança por mostrar uma realidade de violência impetrada contra os enfermeiros dessas instituições, e as escassas estratégias de enfrentamentos adotados pelos mesmos para se protegerem. Denota-se que os resultados serão apresentados e discutidos com todos os pesquisados, inclusive os gestores, para que ações efetivas contra atos de violência sejam evitadas e possa se implementar a tolerância zero para atos de violência em ambientes laborais, sejam estas entre colegas, pacientes contra profissionais, dentre outros.
CONCLUSÕES
O estudou revelou que os enfermeiros têm um olhar crítico e abrangente sobre a violência que sofrem no ambiente laboral das Unidades de Pronto Atendimento advindos do paciente e acompanhante, devido a fatores como demora no atendimento, recursos humanos em quantidade não adequada, alta demanda de pacientes, a questão de preconceitos com trabalhadores do sexo feminino na enfermagem. Os enfermeiros mostraram que estão cientes dos motivos, dos agravos à saúde mental, da interferência no processo laboral e dos sentimentos vivenciados, bem como utilizam algumas estratégias como a comunicação às autoridades locais, bem como a espiritualidade para enfrentar o fenómeno da violência impetrada contra os enfermeiros e sua equipe de trabalho.
Entretanto é preciso que os trabalhadores em conjunto com os gestores busquem ações que diminuam os atos de violência contra os profissionais de enfermagem e por consequência de outros profissionais e assim promover o máximo de segurança e bem-estar no trabalho da UPA e por sua nos atendimentos.