INTRODUÇÃO
No Brasil, o Serviço de Acolhimento Institucional foi instituído, pela Lei 12.010 de 3 de agosto de 20091, em substituição ao tradicional abrigo e/ou lar de crianças. Trata-se de um serviço que oferece acolhimento, cuidado e espaço de desenvolvimento para crianças e adolescentes em situação de abandono ou cujas famílias ou responsáveis encontrem-se temporariamente impossibilitados de cumprir sua função de cuidado e proteção. Este serviço deve oferecer atendimento especializado e condições de acolhimento dignas e compatíveis às familiares até que seja viabilizado o retorno à família de origem ou, na sua impossibilidade, o encaminhamento para família substituta1. Logo, se constitui em medida protetiva, de caráter provisório e excepcional, para crianças e adolescentes com vínculos familiares rompidos ou fragilizados2,3.
O Serviço de Acolhimento Institucional tem por objetivo preservar ou reduzir danos às crianças e adolescentes e, principalmente, protegê-las de situações familiares adversas. Para tanto, o serviço estabelece, conforme o artigo 92 da Lei n. 8.069, do Brasil, de 13 de julho de 1990 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), princípios norteadores para o adequado funcionamento, tais como: preservar os vínculos familiares e promover a reintegração familiar; integrar a família substituta, quando esgotados os recursos na família natural ou extensa; atender as crianças em pequenos grupos e de forma singular; desenvolver atividades de coeducação; não desmembrar os grupos de irmãos; evitar a transferência das crianças para otras instituições de acolhimento; participar das ações na comunidade e preparar as crianças para o seu desligamento4-6).
Caracterizado como medida de Proteção Social de alta complexidade, o Serviço de Acolhimento Institucional requer equipe multipro-fissional altamente qualificada, tanto na dimensão pedagógica quanto na dimensão técnica e assistencial. Sob esse enfoque, o Enfermeiro possui atribuições específicas, principalmente no que se refere ao diagnóstico e ao reconhecimento precoce da violência contra crianças e adolescentes, mas, sobretudo no que se refere ao cuidado singular e multidimensional à criança e à sua família7,8).
Nas instituições de acolhimento, o enfermeiro possui um papel social de relevância, principalmente por realizar contatos com os serviços de saúde de referência e contra-referência, controlar a agenda de consultas das crianças e organizar o seu acompanhamento. Além dessas atribuições, o enfermeiro orienta, ainda, os profissionais da equipe multiprofissional sobre os cuidados específicos e zela pela educação, promoção e proteção da saúde das crianças e adolescentes institucionalizados3.
Embora ciente que o manual de "Orientações Técnicas: Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes", documento que orienta as funções dos acolhimentos, os princípios e orientações metodológicas, e que apresenta a finalidade de regulamentar, a organização e oferta de serviços de acolhimento para crianças e adolescentes, não prevê a inserção do profissional de enfermagem em sua equipe técnica9. Porém o presente estudo visa enfatizar a complexidade do cuidado à criança e adolescentes institucionalizados e analisar as atribuições do Enfermeiro, neste serviço, como contribuição à qualificação do cuidado singular e multidimensional nesta área e, consequentemente, agregar novos saberes e práticas à equipe multipro-fissional.
Sob esse enfoque, o estudo tem como questão pesquisa: quais as atribuições do Enfermeiro em um Serviço de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes, na perspectiva de educadores, profissionais da equipe técnica e profissionais da área administrativa? Objetivou-se, assim, conhecer as atribuições do Enfermeiro em um Serviço de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes, na perspectiva de educadores, profissionais da equipe técnica e profissionais da área administrativa.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa descritivo-exploratória, conduzida com base nos critérios do Consolidated Criteria for Repor-tingQualitative Research (COREQ). A mesma foi realizada em um Serviço de Acolhimento Institucional, localizado na região central do estado do Rio Grande do Sul, que segue os parâmetros de estrutura física, previstos e norteados pelas normativas que fundamentam as Orientações Técnicas dos Serviços de acolhimento para crianças e adolescentes. Assim, a casa deve apresentar espaço suficiente para acomodar o número de crianças e adolescentes ali acolhidos10,11.
Os informantes da pesquisa foram seleciona-dos por meio de uma amostra intencional que totalizou 44 participantes, dos quais 30 educadores/ cuidadores, 9 profissionais da equipe técnica (3 assistentes sociais, 3 psicólogas, 1 enfermeira, 1 nutricionista e 1 coordenadora técnica geral) e 5 profissionais da área administrativa que atenderam os seguintes critérios de inclusão: estar atuando ativa e regularmente na instituição por meio de um ano. Os critérios de exclusão foram: estar afastado da instituição por algum motivo justificado. Com base nestes critérios, nenhum participante foi excluído. A instituição conta atualmente com 50 crianças e adolescentes, com idades de 5 meses a 13 anos, os quais permanecem neste serviço em média um mês.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas com os 44 participantes, as quais tiveram uma duração média de uma hora. Realizou-se as entrevistas de forma individual e em ambiente privativo, com gravação em áudio, para posterior transcrição e análise. As entrevistas ocorreram entre os meses de fevereiro e abril de 2018, no período matutino, vespertino e noturno, com base em questões norteadoras, quais sejam: Em sua percepção, quais as atribuições do Enfermeiro em um Serviço de Acolhimento Institucional? De que forma o Enfermeiro pode agregar saberes à equipe técnica? Em relação a prática profissional, que sugestões você daria ao profissional Enfermeiro? As entrevistas foram gravas e transcritas na íntegra. Os dados foram organizados e analisados com base nos pressupostos da análise temática de conteúdo organizada em três etapas12: 1) Pré-análise, foi realizada a leitura exaustiva dos dados, seguida da organização do material e da formulação de hipóteses; 2) Exploração do material, ou seja, a codificação dos dados brutos e 3) Interpretação e delimitação de eixos temáticos, a partir da compreensão dos significados estabelecidos.
Para cumprir os critérios éticos, foram atendidas as recomendações da Resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde que prescreve a ética em pesquisa com seres humanos13. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comité de Ética em Pesquisa sob o n. 1.478.885/2016. Para manter o anonimato dos participantes, as falas foram identificados com a letra P para "Participantes", seguido da letra de acordo com o "Tipo de profissional" (Educador, Técnico o Administrativo), e finalmente seguido de um número arábico que corresponde à ordem das falas.
RESULTADOS
Decodificados com base na análise de conteúdo, os dados resultaram em três eixos temáticos, quais sejam: Percebendo a integralidade do cuidado de enfermagem; Reconhecendo a conectividade do Enfermeiro na equipe multiprofissional e Identificando o papel social do Enfermeiro. Utilizou-se, para compor os eixos temáticos, falas dos 9 participantes da pesquisa que faziam parte da equipe técnica da instituição de acolhimento, todas do sexo feminino, que trabalhavam a mais de 5 anos no local e com idades entre 23 a 59 anos.
Percebendo a integralidade do cuidado de enfermagem: O cuidado dispensado pelo Enfermeiro às crianças e adolescentes, retrata na percepção da maioria dos participantes da pesquisa, um olhar ampliado, singular e multidimensional. O enfermeiro é reconhecido como o profissional da equipe que detém conhecimento e visão ampliada das questões sociais e de saúde. Isso se expressa pela capacidade de estabelecer relações mais próximas com as crianças, adolescentes e seus familiares. Os participantes demostraram que o cuidado de Enfermagem vai além do cuidado técnico à criança e que este é capaz de apreender a singularidade na complexidade do todo, isto é, a família e o seu contexto histórico-cultural, em geral:
"O Enfermeiro leva em conta o histórico da criança e da família, além da avaliação física... ele presta atenção no psicológico e social da criança... tem um olhar generalista" (PT3).
"O enfermeiro atua direto com as crianças, com a saúde das crianças, diferente dos outros profissionais. Ele faz uma avaliação geral, global da criança, observando também o histórico de vida das crianças" (PE4). "O Enfermeiro se diferencia pela questão humana, por saber trabalhar em equipe, por estar envolvido com a saúde, por se envolver não somente com o físico, mas também com o todo da instituição, com o meio de locomoção para os serviços de saúde, enfim faz uma avaliação ampliada do processo" (PT6).
Uma das potencialidades do enfermeiro mais destacadas pelos entrevistados, associa-se à capacidade de compreender o ser humano como um todo, à capacidade de compreender as diferentes dimensões e entrar na fragilidade e vulnerabilidade humana. Os participantes do estudo demostram, de modo geral, que o Enfermeiro transcende o enfoque linear e pontual da doença da criança e do adolescente e consegue abranger, especialmente, a saúde em uma perspectiva ampliada e sistêmica, se comparado ao olhar dos demais profissionais que, na maioria das vezes, se limita à doença e/ou ao contexto da doença da criança e do adolescente:
"Trabalhar em uma instituição de acolhimento requer um pensamento mais geral e menos tecnicista, mais global e menos fragmentado, assim deve ser o profissional enfermeiro...." (PT1). "O enfermeiro se preocupa com a saúde das crianças diferente dos outros profissionais... se ocupa com as questões de higiene... " (PE6).
"A enfermagem se diferencia por possuir um olhar diferenciado, mais generalista, observando as singularidades de cada criança e também o todo de vida... " (PT8).
"A diferença é que o profissional de enfermagem tem uma visão global da saúde da criança... leva em conta também o seu histórico de vida, de família" (PE15). "O enfermeiro não só faz o exame físico, mas leva em conta os aspectos físicos, sociais e psicológicos da criança, bem como analisa o todo envolvido... leva em conta a caderneta de vacinação da criança... " (PE20). "Cabe ao profissional, observar os aspectos físicos da criança, mas também observar a sua vida antes da entrada na instituição... " (PE27).
A enfermagem tem, portanto, na concepção dos entrevistados uma atribuição importante e pertinente, sobretudo, na promoção do cuidado singular e multidimensional à criança e adolescente. Reconhecem, em geral, que as atribuições do Enfermeiro não se limitam ao fazer técnico e assistencialista, mas que possibilita a integralidade do cuidado, entendido a partir do todo integrado.
Reconhecendo a conectividade do Enfermeiro na equipe multiprofissional: Embora não detalhadas pontualmente as atribuições do Enfermeiro na equipe de trabalho do Serviço de Acolhimento Institucional, os participantes reconhecem o papel conectivo do Enfermeiro entre os profissionais da equipe, entre a equipe e a direção, entre equipe e familiares, bem como a interlocução com os serviços da rede de saúde em geral. Reconhecem, também, que o Enfermeiro cultiva a proximidade e o "estar junto com a equipe", como elo integrador e dinamizador do trabalho em equipe:
"O trabalho do enfermeiro é integrado aos demais membros da equipe, mas o enfermeiro é quem cuida da saúde integral dos acolhidos, bem como é responsável pelo controle e orientações em geral. Também é responsável por compartilhar as informações relacionadas à criança com os demais membros da equipe técnica" (PT9).
"Espero que o trabalho da enfermagem continue sendo assim, atuando junto com a equipe, com as crianças e educadores" (PA1).
"O profissional de enfermagem possui uma responsabilidade maior, porque este faz a interlocução entre os educadores e os demais membros da equipe técnica" (PE28).
O Enfermeiro se diferencia na equipe multiprofissional, de acordo com os entrevistados, pelo seu caráter humano e por meio cuidado singular e multidimensional. Percebem que o Enfermeiro tem habilidades para interagir com as diferentes áreas, a partir de uma relação dialógica e interativa. Nessa direção, o Enfermeiro é destacado, por alguns participantes, como o profissional da comunicação e da integração, conforme descrito:
"O profissional de enfermagem se diferencia pela questão humana, por saber trabalhar em equipe, de forma multiprofissional e por estar envolvido com a saúde, mas também com a instituição e com a rede de serviços de saúde (...) e profissional responsável pela comunicação entre os educadores, a instituição e os demais serviços de saúde que servem de apoio para o cuidado às crianças" (PT2).
"Cabe a este profissional, fazer a integração entre as crianças, os educadores e os técnicos" (PE23). "A enfermagem precisa trabalhar não só com as crianças, mas também deve saber trabalhar com os membros da equipe técnica, pois só assim todos irão falar a mesma linguagem e assim o trabalho será excelente" (PE30).
A conectividade do Enfermeiro na equipe multiprofissional se expressa, no entender dos participantes, tanto em seu modo de ser quanto em sua forma de agir e se relacionar. As suas atribuições transcendem uma determinada dimensão e alcançam a multidimensionalidade humana que perpassa pelas interconexões sistêmicas.
Identificando o papel social do Enfermeiro:
Pelo fato de se envolver efetivamente com as diferentes situações sociais, muitos entrevistados encontram dificuldades para descrever as atribuições do Enfermeiro, ou seja, para identificar a sua especificidade no conjunto das ações multi-profissionais. Outros entrevistados identificaram atribuições sociais do Enfermeiro relacionadas às articulações e interações com o contexto social, ao reconhecimento das políticas de saúde no contexto das políticas sociais e do perfil epidemiológico das famílias envolvidas, além da associação com órgãos públicos e serviços de saúde, conforme depoimentos a seguir:
"O Enfermeiro entra em contato com a secretaria de saúde para fazer com que o acolhimento tenha prioridade no atendimento nas unidades básicas e demais serviços de saúde. Aqui ele é responsável pela articulação e interação com os serviços de saúde" (PE10).
"O Enfermeiro faz os encaminhamentos e também acompanha as crianças nos atendimentos médicos, bem como nos atendimentos mais específicos como: ginecologista, odontologia, dermatologia, infectologia e outros" (PE25).
"O enfermeiro orienta os educadores, acompanha as crianças nas consultas de emergência e orienta os pais no momento da adoção quanto aos cuidados que foram realizados para com a criança" (PE30).
Na fala dos entrevistados ficou evidente, também, que o Enfermeiro desempenha papel importante no processo de ressocialização da criança no ambiente familiar e social. Nessa relação, ele é reconhecido pelas suas habilidades interativas e pela sua compreensão ampliada e contextualizado do cuidado à criança e adolescente. O significado da atuação social do Enfermeiro está associado, na percepção dos entrevistados, ao envolvimento, à responsabilidade e à resolutividade dos encaminhamentos. Nessa direção, o Enfermeiro é reconhecido como um dos profissionais mais engajados no processo de ressocialização familiar e social, conforme segue:
"O Enfermeiro participa da ressocialização familiar... ele conversa sempre que preciso com os pais e responsáveis pelas crianças... " (PA4). "A enfermagem pode atuar em diferentes campos seja político, social, administrativo, educacional, assistencial e também na parte da humanização" (PT2).
"Sempre que uma criança retorna ao âmbito familiar ou esta é adotada cabe ao enfermeiro orientar aos pais sobre a saúde atual e sobre os acompanhamentos q esta criança deverá ter futuramente" (PE2).
O papel social do enfermeiro é percebido nos diferentes movimentos e encaminhamentos da rede social e de saúde. Sob esse enfoque, o Enfermeiro é considerado o profissional que mais converge e dialoga com às necessidades sociais. O enfermeiro destaca-se, sobretudo, pela sua formação específica para a liderança e o trabalho em equipe, ferramentas que do ponto de vista dos participantes do estudo são fundamentais para o exercício profissional em um Serviço de Acolhimento Institucional.
DISCUSSÃO
Parte-se do princípio de que o cuidado de Enfermagem em um Serviço de Acolhimento Institucional é, por excelência, complexo, por abranger uma área socialmente vulnerável e antagónica. Sob esse enfoque, somente abordagens teóricas igualmente complexas podem dar conta de compreender e discutir fenómenos que transcendem e linearidade do fazer cotidiano.
A enfermagem frente ao Serviço de Acolhimento Institucional, possui um papel primordial e imprescindível para com o cuidado das crianças e adolescentes, principalmente no sentido de oferecer um ambiente seguro e não desagradável e amedrontador aos mesmos. Além disso, reforça-se a importância que o pressuposto fundamental da criação das instituições de acolhimento é de poder fornecer um ambiente melhor e mais adequado do que aquele em que a criança encontrava-se, tendo o apoio e cuidado da enfermagem14,15.
O cuidado de enfermagem, conforme expresso pelos entrevistados, é um cuidado que se caracteriza e diferencia dos demais profissionais da equipe técnica, por abarcar tanto a singularidade quanto a dimensionalidade humana. Significa dizer, que mesmo não detalhadas pontualmente as atribuições do enfermeiro em um serviço de acolhimento, ele se destaca pela capacidade de apreender o todo na parte e a parte no todo, conforme sustentado pelo autor da complexidade16. Nessa direção, evidências científicas mostram que a enfermagem vem ampliando, gradativamente, o seu espaço de atuação profissional tanto na área de saúde quanto na área social. Como ciência em construção, a enfermagem tem um corpo de conhecimento próprio e independente, embora complementar às demais áreas profissionais, no sentido de apreender o cuidado em saúde como um fenómeno complexo, multidimensional e humanizado17.
O cuidado integral está baseado no pensamento complexo, assim para compreendermos o ser humano em sua complexidade é necessário termos a compreensão de suas partes. Percebe-se que a complexidade contribui para a melhor organização do cuidado em saúde em enfermagem. Assim para que o cuidado seja visto sob a ótica da complexidade é necessário que considere-se a interdisciplinaridade das ações, a partir de diferentes olhares, para que garanta assim um cuidado de forma integral18,19.
O enfermeiro, pela sua habilidade interativa e associativa estabelece, na percepção dos entrevistados, relações mais próximas e ações mais efe-tivas e resolutivas. Pela sua compreensão ampliada e contextualizada do cuidado, o enfermeiro consegue transcender o enfoque pontual e linear da doença e abranger a saúde como um fenómeno complexo. Para tanto, o cuidado de enfermagem precisa ser apreendido como fenómeno complexo, sistematizado por meio das múltiplas relações, interações e associações sistêmicas, com vistas a promover a saúde como processo dinâmico, singular e auto-organizativo, interligado aos diferentes sistemas sociais17.
Pelo seu papel social reconhecido, o enfermeiro se configura como o profissional habilitado e competente para atuar nos diferentes espaços e nas diferentes dimensões existenciais e humanas.
É reconhecido como sendo o profissional que se identifica com a realidade e que melhor consegue lidar com as adversidades sociais, em especial, das crianças e adolescentes em acolhimento institucional; embora estudo reconheça que todos os profissionais da equipe multiprofissional precisam estar aptos para lidar com a complexidade dos acolhidos em serviços institucionalizados. Este mesmo estudo enfatiza, também, que a equipe multiprofissional tem papel preponderante no processo de reinserção familiar de crianças e adolescentes institucionalizados, além de uma rede de apoio capaz de empoderar as famílias na superação de suas vulnerabilidades sociais, bem como prevenir novos casos3.
O presente estudo destaca que a enfermagem frente as instituições de acolhimento para crianças e adolescentes tem a capacidade de atuar, de forma criativa e autónoma, através de ações de educação em saúde, reabilitação ou promoção de saúde para as crianças/adolescentes que encontram-se abrigados. O enfermeiro assume um papel assistencial e social, cada vez mais decisivo frente as necessidades de cuidado da população, bem como na promoção e proteção da saúde dos indivíduos em suas diferentes dimensões, destacando-se através da sua proatividade20,11
É sabido, sob essa lógica de raciocínio, que não basta que um profissional se destaque proativamente em um Serviço de Acolhimento Institucional, e preciso que haja uma convergência de saberes e práticas para apreender e conduzir o cuidado à criança e ao adolescente a partir de uma concepção singular e multidimensional, isto é, a partir de uma abordagem complexa de intervenção. O pensamento complexo se sustenta, nessa relação, por conjugar e articular os diversos saberes compartimentados, sem perder a essência e a particularidade de cada saber profissional21,22.
O cuidado multiprofissional, na lógica do pensamento complexo, se pauta no respeito aos antagonismos e na aceitação das adversidades e desordens presentes na vida cotidiana de um Serviço de Acolhimento Institucional. O conflito e as adversidades, quando compreendidos em sua forma ampliada, se transformam em terreno fértil para o encontro, a compreensão e o diálogo, ou seja, possibilitam espaço profícuo para o fortalecimento das relações e das interações sistêmicas entre todos os envolvidos. É necessário, para tanto, que o profissional das mais diferentes áreas passe da compreensão ingênua à atitude consciente, a fim de integrar, religar e dinamizar o cuidado como fenómeno complexo, na qual os diferentes fios se encontram para formar a unidade complexa11,23,24.
Frente ao cuidado multiprofissional observa-se que o profissional enfermeiro apresenta uma visão complexa e primordial perante a prática multi-profissional, pois o enfermeiro por meio das suas funções gerenciais e assistenciais, será responsável por articular ações no qual cada profissional da instituição deverá se comprometer com a saúde dos acolhidos. E assim contribuir para com um cuidado interdisciplinar, de modo com que os acolhidos sejam direcionados à vários olhares. Sem esquecer a importante integração entre os profissionais do acolhimento institucional e os demais serviços de saúde que compõem a rede de saúde, propondo assim o cuidado em rede e multiprofissional, que vise a integralidade do cuidado prestado25,26.
A equipe multiprofissional de saúde tem papel importante no cuidado de crianças/adolescentes com direitos violados em situação de vulnerabilidade. Principalmente quando se refere aos aspectos de saúde física e psicológica destas crianças e adolescentes, destacando-se assim o importante papel do profissional enfermeiro, dentro da equipe multiprofissional. O enfermeiro passa a ser responsável pela busca da articulação entre o serviço de acolhimento e os demais serviços de saúde externos, bem como realizar atividades de promoção da saúde, junto com os demais profissionais da instituição de acolhimento promovendo uma melhor qualidade de vida, saúde e segurança para os acolhidos27.
O papel social do enfermeiro e/ou o cuidado de enfermagem como prática social se diferencia dos demais profissionais, pela compreensão do processo de viver humano como ação dinâmica e integradora e pela possibilidade de ampliar, a partir do pensamento complexo, os recursos e as competências necessárias para a promoção da saúde, ou o enfrentamento das adversidades da vida. Estudos demostram que este pensar e agir é possível, na medida em que se conhece quem são as crianças e os adolescentes da instituição, suas histórias de vida, sua singularidade e multidimensionalidade. Na medida em que se busca compreender o que significa estar abrigado e longe do convívio familiar e social17,28,29.
O enfermeiro desempenha, portanto, importante papel social e fundamental nos sistemas de saúde, tanto na educação quanto na promoção e proteção da saúde. Por meio do cuidado ampliado e contextualizado, a enfermagem é capaz de contribuir no fomento de um saber interdisciplinar, além de estabelecer canais efetivos de comunicação com os diversos setores sociais e, dessa forma, possibilitar estratégias mais eficazes e resolutivas de cuidado em saúde.
Aponta-se, como fragilidades deste estudo, a percepção limitada e pontual de alguns depoimentos profissionais, a dificuldade na realização das entrevistas em determinados dias e horários previamente agendados, além das poucas evidências científicas disponíveis, nesta área de investigação, que pudessem contribuir na ampliação da discussão teórica. E, em se tratar de uma pesquisa qualitativa, o viés de seleção dos participantes, bem como as técnicas de coleta de análise de dados, também, não estão descartadas.
CONCLUSÃO
As atribuições da enfermeira em um Serviço de Acolhimento Institucional para crianças e adolescentes estão relacionadas ao cuidado integral e integrador na equipe multiprofissional, à capacidade de interagir com os diferentes espaços sociais e, sobretudo, pela habilidade de agregar, dialogar e promover a saúde em sua dimensão singular e multidimensional.
As atribuições da enfermeira se destacam e diferenciam na equipe, em suma, pelas suas habilidades interativas e integradoras tanto no ambiente interno quanto no espaço social, às quais vêm adquirindo importante repercussão nos diferentes espaços de atuação profissional da enfermeira.
Com base nos resultados deste estudo é possível argumentar que a enfermagem é uma profissão eminentemente social e multiprofissional que configura, crescentemente, como a profissão do futuro, pela possibilidade de compreender, agregar, articular e interagir com as diferentes áreas do conhecimento. Basta, no entanto, que a enfermagem invista em atitudes proativas, capazes de promover o desenvolvimento social pela ampliação das oportunidades reais dos seres humanos em seu contexto real e concreto.
Novos estudos se fazem necessários, tanto no sentido de seguir a linha de investigação apresentada neste trabalho, quanto em abordar novas perspectivas que agreguem valor social à atuação profissional do Enfermeiro em Serviços de Acolhimento Institucional. Por mais que se demostre a relevância das atribuições profissionais do Enfermeiro nestes espaços, existem ainda poucas evidências científicas que reconheçam e sustentem este fazer profissional como prática imprescindível no cuidado às crianças e adolescentes em serviços de acolhimento.