INTRODUÇÃO
As estimativas da Organização Mundial da Saúde1) apontam as anomalias congênitas (AC) como responsáveis anuais por cerca de 300.000 óbitos de crianças no primeiro mês de vida, cifra que representa entre 2 a 3% dos recém-nascidos com uma AC maior2,3. Contudo, na América Latina contribuem com mais de 21% da mortalidade de crianças menores de 5 anos4.
As AC são definidas como distúrbios que ocorrem durante o desenvolvimento fetal, no útero materno, e estão vinculadas às alterações genéticas, ambientais ou multifatoriais. São classificadas em três grupos: estrutural, quando relacionada a deformidades físicas; funcional, por apresentarem alterações neuromotoras; e metabólica, quando ocorrem alterações químicas complexas que resultam em morbidades diversas5.
Em países de baixa e média renda, um grupo importante que contribui para alta mortalidade, são os defeitos do tubo neural, estima-se que causem 29% das mortes referentes as AC3. E as alterações mais comumente geradas afetam sistemas e apontam por prevalências dentre os nascidos-vivos (NV), a saber: musculoesquelético (26/10.000 NV), neurológico (17,20/10.000 NV), cabeça e pescoço (16,73/10.000 NV), e cardiovascular (8,72/10.000 NV). Eventos estes que são via de regra associados ao nascimento prematuro com baixo peso, por via cirúrgica e más condições de vitalidade do neonato no primeiro e quinto minuto de vida6, reconhecendo assim, a necessidade de ações de prevenção e cuidados com as mães e bebês, que se configuram desde o planejamento familiar, seguindo pela gestação, o parto e, o nascimento3.
Ademais, as AC retratam a maioria das hospitalizações pediátricas e cirurgias complexas e de elevado custo para o serviço de saúde. As despesas relacionadas às hospitalizações podem chegar a $80.872 por bebê. Quando comparadas com outros grupos de doenças, as AC que demandam de cirurgias são desproporcionalmente caras para o sistema de saúde7. E ainda, impactam no desenvolvimento e crescimento da criança, gerando consequente cenário de dificuldade de inclusão destes indivíduos, com interferência no avanço econômico do país.
Frente aos custos crescentes exigidos por tratamentos das AC tem-se sinalizada a necessidade de alocação financeira de maneira eficiente. Neste sentido, é relevante que este estudo desenvolva um mapeamento dos avanços em pesquisas sobre os custos de diagnóstico e tratamento frente às anomalias congênitas. Com evidências crescentes os estudos com abordagem de economia em saúde contribuem para a tomada de decisão, elaboração de diretrizes e protocolos clínicos8. Com isto lograse subsidiar o planejamento de políticas públicas considerados como pontos chaves para a redução da mortalidade, melhora na qualidade de vida e implementação de intervenções economicamente favoráveis nos diferentes sistemas de saúde4.
Nesta perspectiva, o objetivo deste estudo foi mapear as evidências disponíveis sobre os custos das intervenções para diagnóstico ou tratamento de recém-nascidos, crianças e adolescentes com anomalias congênitas, nos diferentes níveis de atenção à saúde.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de uma Revisão de Scopo desenvolvida a partir das recomendações do Joanna Briggs Institute9 e a lista de verificação Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)10. Conceituada como um método de mapeamento e resumo de evidências a Revisão de Scopo apresenta-se com rigor metodológico em cada uma de suas etapas de elaboração. Esta modalidade de revisão tem o propósito de viabilizar futuras revisões sistemáticas por favorecer a identificação de lacunas no conhecimento, além de esclarecer conceitos chaves, ou determinar quais tipos de pesquisas têm sido utilizadas na abordagem aos temas de interesse11.
Em síntese, este método de pesquisa é disposto em seis etapas, a saber: 1) Definição da pergunta de pesquisa; 2) Estabelecimento dos critérios de elegibilidade das publicações científicas; 3) Elaboração da estratégia de busca; 4) Realização da triagem e seleção das evidências; 5) Extração dos dados e 6) Análise e apresentação dos resultados9.
A pergunta de pesquisa foi definida a partir do mnemônico PCC que se refere a população (P) recém-nascidos, crianças e adolescentes até 19 anos com anomalias congênitas; ao conceito (C) custos das intervenções para diagnóstico ou tratamento; e o contexto (C) diferentes cenários de atenção à saúde. Concluída como: Quais as evidências disponíveis sobre os custos das intervenções para diagnóstico e tratamento, de recém-nascidos e crianças, com anomalias congênitas, nos diferentes cenários de atenção à saúde?
Para a localização das publicações nacionais e internacionais, foi realizada uma busca em junho de 2019, nas seguintes bases de dados: Web of Science, Scopus, PubMed e Cinahl. Utilizaram-se os descritores do Medical Subject Headings (MESH) e entry terms, associados aos operadores booleanos. Cada base de dados possui especificidades, assim destaca-se que houve adaptações na estratégia de busca, preservando a semelhança na combinação dos descritores (Quadro 1). Para as bases citadas, a padronização da busca aconteceu mediante a utilização do Portal de Periódicos da CAPES, Comunidade Acadêmica Federada (CAFe), e acesso pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Os critérios de inclusão foram: publicação científica incluindo a população pediátrica e hebiátrica - menores de 19 anos12, no idioma inglês, espanhol e português e que abordaram análise de custo. Não foi definida uma delimitação no período de tempo das publicações científicas. Foram excluídos artigos que não respondessem à pergunta norteadora, resumos e anais de congressos, comentários, editoriais, opiniões de especialistas, estudo de caso único, notas prévias e relatórios, e estudos de revisão.
O número de estudos identificados e o processo de seleção estão apresentados na Figura 1. A amostra foi composta por 29 artigos científicos. Os artigos identificados foram organizados mediante o uso da ferramenta Mendeley Desktop Versão 1803 e com apoio do Microsoft Office Excel foram lidos títulos e resumos por dois revisores de forma independente, e em sequência ocorreu à leitura na íntegra dos potencialmente elegíveis para o estudo. As discordâncias foram solucionadas por consenso entre os revisores, visando se o artigo atendia aos critérios de elegibilidade.
Para a etapa de coleta de dados foi utilizado um instrumento estruturado desenvolvido, também, no Microsoft Office Excel, contendo as seguintes variáveis: ano, país, base de dado, idioma, periódico, área da revista, objetivo geral, método, população, amostra, período de coleta de dados, tipos de anomalias congênitas, diagnóstico ou tratamento, tipo de intervenção, nível de atenção (primário, secundário ou terciário), custos, principais resultados, limitações e vieses, e, principais recomendações.
Salienta-se que como principais resultados e recomendações extraíram-se apenas os aspectos que atendessem à pergunta de pesquisa desta revisão, sem demérito aos demais achados e recomendações das publicações em estudo.
RESULTADOS
Referente ao ano de publicação, os estudos estão distribuídos entre 1990 e 2019, no idioma inglês, desenvolvidos em diferentes países do continente Europeu (28%), América do Norte e Central (59%), Africano (3%) e Asiático (10%). Em relação à indexação nas bases de dados, foram extraídos: 22 (75%) da PubMed, 4 (14%) da Scopus, 2 (8%) da Cinahl e 1 (3%) da Web of Science.
Os artigos são procedentes de diferentes periódicos das áreas da medicina 27 (93%) e economia em saúde 2 (7%). Quanto aos métodos de pesquisa utilizados pelos estudos, foram: 10 (34%) de análise de custo-efetividade, 16 (55%) retrospectivos, incluindo coorte e transversal e 3 (11%) ensaios clínicos randomizados com análise de custo.
A amostra de participantes variou entre 9 a 1.613.376 indivíduos, com idades díspares, a saber: 12 (41%) abordaram crianças menores de 1 ano, 7 (25%) foram desenvolvidos com menores de 5 anos, 10 (34%) com menores de 19 anos.
Na Figura 2 estão apresentados o número de estudos que abordaram as intervenções para diagnóstico ou tratamento, em qual contexto de assistência em saúde e quais as AC estudadas agrupadas por sistemas. Os dados coletados apresentam-se em forma de quadro (Quadro 2), estão descritas as AC de interesse dos estudos, bem como as intervenções de diagnóstico ou tratamento, os custos relativos a essas intervenções.
DISCUSSÃO
O mapeamento da literatura trouxe uma amostra dos estudos sobre os custos referentes as intervenções para diagnóstico precoce e tratamento de diversos tipos de AC em crianças, destacando os exames de triagem neonatal e as cirurgias corretivas menos invasivas.
Foi observado domínio de publicações internacionais, no idioma inglês e pela área da medicina13-41. Bem como, artigos desenvolvidos entre os anos de 1990 a 2019 indicando o reconhecimento sobre as AC associado ao interesse em compreender etiologias subjacentes, identificar as causas modificáveis bem como, os tratamentos efetivos, quer sejam pré ou pós-natais2. Atentase para o fato de que os países economicamente desenvolvidos apresentam maiores taxas de AC, fato possivelmente relacionado à redução da mortalidade infantil por outros grupos de doenças3.
Diversos fatores estão envolvidos na prevalência das AC, de um modo geral nesta amostra foram captadas maior quantitativo de publicações que abordaram as AC do sistema cardiovascular e respiratório14,16,19-25,28,29,33,38,40-41. Esclarece-se que estas são complexas e demandam de exame de imagem para o diagnóstico, podendo impactar nas altas taxas de mortalidade2. Quando relacionadas ao sistema osteomuscular, geniturinário, de ouvido, face e pescoço, as AC são menos complexas e com maiores possibilidades de serem identificadas em maior número nas crianças nascidas vivas, mediante a realização do exame físico3, sistematizado.
Quanto à população, o maior volume dos estudos incluiu crianças menores de um ano13,15,17,18,23,25,29,33,38-41. Cenário este que pode ser advindo do fato de as AC graves serem incompatíveis com a vida, assumindo papel crescentemente expressivo na morbimortalidade infantil, sobretudo no período neonatal3. Sugere-se ainda que a análise dos casos de morte perinatal somado à contínua colaboração internacional para compartilhamento dos dados é fundamental, pois além de favorecerem a melhor compreesão das AC, mobilizam o desenvolvimento das tecnologias para diagnóstico, tratamento e reabilitação, contribuindo, portanto com a redução da morbimortalidade global2. Reitera-se que os indicadores de mortalidade na infância, principalmente, em menores de um ano de idade, são notadamente sensíveis aos determinantes relacionados ao cenário sócio-econômico e, às iniciativas de saúde pública, como por exemplo, o acesso aos serviços de saúde42.
Houve destaque à produção de evidências científicas para o tratamento a ser realizado em ambiente hospitalar14,16-25,27-29,30,31,33-37,41. Esta condição possivelmente está relacionada à necessidade dos cuidados intensivos, com o uso de recursos tecnológicos e de profissionais especializados para a manutenção da vida desse recém-nascido com AC, podendo relacionar-se também ao fato de demandarem por maior volume de recursos financeiros consequentes às taxas elevadas de rehospitalização e à mortalidade pós-alta43.
Neste sentido, para que seja possível identificar as intervenções mais efetivas em relação ao custo e ao benefício dos tratamentos são desenvolvidas as pesquisas em economia em saúde, essas se propõem a avaliar as tecnologias e os desfechos clínicos associados à suas aplicações. Sendo assim, os estudos que relacionaram a triagem neonatal para AC de quadril, cardiopatias, desordens metabólicas e genéticas, e perda auditiva13,15,26,29,32,38-40,41, apresentaram melhores resultados e menores custos, quando analisados a longo prazo, na vida criança. Espera-se que, crescentemente, um maior número de AC sejam passíveis de triagem no período neonatal, sobretudo, com o avanço na área de genomas44. Sendo caracterizada como uma ação de sucesso na saúde pública, a triagem neonatal está relacionada com a diminuição nas taxas de morbidade e mortalidade, e consequentemente, impacto na economia em saúde, suavizando a escassez de recursos, a diminuição de custos, e ainda reduzindo a carga de trabalho45.
Os estudos sobre tratamento enfatizaram as cirurgias corretivas e compararam o método convencional com abordagens atualizadas e menos invasivas14-16,18-20,24,34,38,39,41, apresentaram resultados com melhor custo-efetividade relacionado às inovações. Os avanços da tecnologia na área da saúde com a preocupação de redução dos danos ao paciente e, da morbimortalidade a curto e longo prazo, privilegiando sua qualidade de vida, são justificativas para o quantitativo de pesquisas referentes aos tratamentos minimamente invasivos. Há esforços para reduzir o trauma e o desconforto, como incisões menores, reduzir os efeitos adversos da circulação extracorpórea, reduzir a dor associada às incisões e melhorar o impacto da experiência hospitalar46. Isso demonstra a relevância da prática baseada em evidências no ambiente hospitalar para a transformação da prática clínica47.
Destarte, coloca-se que a maioria das AC vão se apresentar no período neonatal. E sob esta ótica, enfatiza-se a competência do enfermeiro em compreender o processo de triagem, em avaliar e prestar a adequada e oportuna assistência. Processo este que requer o desenvolvimento de novas habilidades frente às novas tecnologias a serem utilizadas na prática clínica para a garantia de crescimento pessoal, o avanço da profissão e a busca perene pela maior segurança e qualidade da assistência48.
Isto posto, limitações foram apontadas em alguns dos estudos, como: o número reduzido de participantes, a escassez de estudos semelhantes com base em evidência, o favorecimento de discussões mais concretas, resultados que não podem ser aplicáveis fora do escopo geográfico pesquisado, e os desafios que cercam as abordagens económicas para avaliação de todos os custos envolvidos ao diagnóstico ou tratamento.
Como limitações da presente pesquisa devido se apresentarem como informações de interesse ao escopo delimitado, apresentam-se: o número de estudos identificados, a inclusão de artigos que não auto-referiram as suas limitações nem as recomendações para prática ou pesquisa, e a inópia de pesquisas referentes aos custos com AC, em especial, nos países em desenvolvimento.
Por fim, os autores do presente acreditam que a opção por mapear e conhecer a realidade global das AC expresse potencial para subsidiar o refinamento do diálogo, entre gestores, profissionais e sociedade, sobre a necessidade de (re)formulação de políticas públicas preventivas da morbidade e da mortalidade fetal, infantil e materna, tendo como exemplo oportuno, a implementação e/ou ampliação da triagem neonatal a nível global.
CONCLUSÃO
Esta revisão de scopo resumiu os principais resultados sobre os custos das intervenções para diagnósticos e tratamentos realizados no nível terciário para anomalias congênitas. Trata-se de uma temática de destaque no cenário global, visto a necessidade de estudos que possam produzir evidências científicas para diretrizes voltadas a estratégias de prevenção de anomalias congênitas em nascidos vivos.
Destaca-se assim, o programa de triagem neonatal para diagnóstico precoce das AC e a implementação de tecnologias atualizadas e minimamente invasiva nas cirurgias corretivas, acarretando um impacto na redução de custos a longo prazo, bem como na qualidade e segurança da assistência e do paciente / familiar. De maneira que o desenvolvimento de pesquisas na perspectiva econômica, visando aplicabilidade de uma prática clínica integral e sustentável é colocado em destaque na trajetória de minimização do impacto das AC na população infantil e na sociedade em geral.