INTRODUÇÃO
O álcool é a substância mais consumida no mundo, com maior aceitação e reconhecimento pela sociedade, e também é a que causa mais danos por riscos voluntários1. Mundialmente, cerca de 3,3 milhões de todas as mortes e diversas patologias estão relacionadas à ingestão de álcool. Na América
Latina, essa situação é proporcionalmente mais grave, não somente pelo quantitativo de óbitos, mas pelos anos de vida saudáveis perdidos. Apesar disso, as questões relacionadas com o fenômeno do alcoolismo seguem tendo pouca prioridade nas agendas de saúde da maioria dos países latinos, sem avaliação dos custos e danos gerados. Em contraponto, as políticas públicas existentes na América Latina ainda não conseguem regulamentar medidas assertivas relacionadas ao consumo, acesso e preço das bebidas alcoólicas2.
Pesquisadores apontam que o preço dessas substâncias nos locais em que estão disponíveis, pode determinar o consumo. E para reduzir o uso, julgam que o valor de venda do produto deve ser aumentado3, no entanto, além do custo, a acessibilidade também fomenta o consumo e pode torná-lo mais intenso, com aparecimento de problemas associados ou agravamento daqueles já existentes4.
O custo-consumo de bebidas alcoólicas é determinado por aspectos econômicos (preço e taxações que elevam o custo), de varejo (facilidades de compra e acesso às bebidas alcoólicas) e sociais como fontes de acesso e perfil étnico-cultural da população5.
Estudo realizado na Austrália aponta que bebedores mais frequentes são pouco influenciados quanto ao preço6. Contudo, o minimum unit prices (MUPs), ou seja, os preços unitários mínimos, política conhecida no Reino Unido desde 2012 para reduzir o consumo de álcool, mostrou-se uma medida eficaz de saúde pública e que afeta diretamente indivíduos com consumo abusivo e prejudicial7.
Em relação ao gênero, o consumo de álcool entre os homens sempre se mostrou mais elevado em comparação ao da mulher, porém essa diferença vem diminuindo devido a um aumento progressivo no consumo feminino8. Há recomendações que orientam doses distintas entre mulheres e homens, pelas particularidades fisiológicas e psicoemocionais, velocidade de intoxicação, período de dependência e probabilidades de recuperação9. Observa-se também, uma tendência de os estudos agruparem todos os gêneros em uma mesma análise, porém isso impede que o gênero feminino, normalmente com menor busca ou busca tardia pelos serviços de tratamento da dependência química, por aspectos sociais, como autopercepção de preconceito, julgamento, estigma, culpa, vergonha e possíveis violências no contexto familiar e institucional10, receba a devida atenção e acolhimento integral, o que reforça a importância em dar visibilidade às características de cada gênero.
Na Amazônia Legal, o Estado de Mato Grosso possui uma das maiores taxas de mortalidade atribuída ao uso de álcool11. E pesquisas realizadas nessa região também apontaram a gravidade do consumo de álcool e as influências do meio e marketing no acesso, frequência e quantidade ingerida12,13. Porém, ainda não se conhece, as relações de custo-consumo de bebidas alcoólicas nessa população. Além disso, dada as questões de precariedade de infraestrutura, os vazios assistenciais para atender essa população e a concepção de alguns profissionais médicos e enfermeiros da Amazônia14) no acolhimento e gestão do cuidado em saúde mental, especificamente nessas demandas, podem estar implicando no crescimento do consumo de álcool entre homens e mulheres, e impactando em danos em diversas esferas da vida de ambos.
Nesse panorama, tendo em vista o alcance dos impactos do álcool à pessoa tanto em caráter individual como ao meio próximo e a sociedade, são necessários novos estudos sobre o comportamento de compra e consumo15, especialmente na região amazônica, onde as questões geopolíticas, como a grande distância entre as cidades, poucas estradas com boa trafegabilidade e baixo quantitativo de profissionais da saúde16, são entendidos como obstáculos para efetivação de intervenções breves e efetivas, bem como cuidados mais duradouros com essa clientela. Assim, considerando a importância da temática, o estudo objetivou investigar o custo-consumo de bebidas alcoólicas entre homens e mulheres em uma região da Amazônia Legal.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de estudo exploratório e com abordagem mista. O estudo foi realizado em bairros de periferia do maior município de uma região da Amazônia Legal, nos meses de agosto a dezembro do ano 2019. A escolha dos bairros ocorreu com base em três critérios: população de 4.000 a 5.000 pessoas (cadastros no sistema de Atenção Básica), regiões da periferia do município e existência de supermercados de médio porte. Três bairros (A, B e C) foram os únicos da periferia do município que se encaixaram nos critérios; todos possuíam um único estabelecimento comercial e com esse perfil. A inclusão de bairros com supermercado desse porte visou atender a possibilidade de maior acesso a variedade de bebidas alcoólicas.
Foram incluídos no estudo os sujeitos que obedeceram aos critérios de inclusão: ser maior de 18 anos, que verbalizassem o consumo de algum tipo de bebida alcoólica, independente da frequência e quantidade ingerida. Foram excluídos aqueles que residam com tempo menor que seis meses nos bairros selecionados, por entender que podiam não estar bem familiarizados com essas comunidades.
A coleta de dados ocorreu nos bairros A, B e C, em ruas e casas selecionadas aleatoriamente. Os participantes foram abordados em suas próprias casas. Não foi incluso mais de um membro de uma mesma casa e família, independente do grau de parentesco. Para a seleção deste participante na residência, considerou-se aquele que estava no momento da entrevista e o primeiro que preenchesse todos os critérios de inclusão. Caso a residência visitada estivesse fechada, não realizou tentativas posteriores, sendo escolhida outra residência de forma aleatória.
No bairro A foram abordadas 35 pessoas, sendo que 15 não aceitaram participar do estudo; no bairro B foram abordadas 26 pessoas e seis se recusaram; e no bairro C, 30 pessoas foram abordadas e 10 declinaram. A determinação do tamanho amostral nos três bairros baseou-se somente nos aspectos qualitativos, definido conforme saturação dos dados, até atingir o objetivo do estudo. Assim, a amostra final do estudo foi composta por 60 participantes.
As entrevistas tiveram duração média de 40 min e foram guiadas por um instrumento principal, contendo perguntas fechadas (aspectos sóciodemográficos e estilo de vida) e abertas (relativas às informações sobre a proximidade e o custo-consumo de bebidas alcoólicas), elaborado pelos próprios pesquisadores. Este instrumento foi validado em teste piloto previamente com amostra semelhante à pesquisa nos bairros A, B e C, para possíveis adequações, porém não observou a necessidade de alterações.
De forma complementar, para verificar o padrão do uso de álcool pelos participantes do estudo, utilizou-se o instrumento Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT). Trata-se de um questionário desenvolvido em 1982 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), para a avaliação do uso de álcool na população mundial. Compõe-se de 10 perguntas, cada questão tem uma margem de 0 a 4, possibilitando uma pontuação final de 0 a 40 pontos. Tem como resultado: baixo consumo (0 a 7 pontos) consumo de risco (8 a 15 pontos), padrão de uso nocivo (16-19 pontos) e diagnóstico de dependência (20-40 pontos).
Para análise dos dados qualitativos, utilizou-se o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Assim, seguiram-se as quatro etapas operacionais: seleção das expressões-chave (ECH) de cada discurso, podendo ser contínuas ou descontínuas; identificação da ideia central (IC) de cada uma dessas ECH; identificação das IC semelhantes ou complementares; junção das ECH referentes às IC e por fim, formou-se uma síntese do discurso17.
Em relação aos dados quantitativos, procedeu-se a digitação dupla, como forma de monitorar possíveis inconsistências ou erros. Na sequência, para avaliar as associações entre as variáveis de custo-consumo (teor alcoólico, preço e compra) com o do padrão de uso de álcool (AUDIT), foi utilizado o programa BioEstat versão 5.0, por meio da análise de correlação "Coeficiente de Contingência C", onde C= 0 determina que não há associação entre as variáveis, quando C* 0 há correlação entre duas variáveis: < 0,1 fraca; 0,1 a 0,3 moderada e > 0,3 forte, sendo adotado o nível de significância de 5% (p< 0,05).
Foram respeitados todos os aspectos éticos em pesquisa, de acordo com a Resolução 466/12, iniciando o estudo somente após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Estado de Mato Grosso (CEP/ UNEMAT) sob CAAE 17172919.0.0000.5166 e parecer 3.501.822. Todos os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
RESULTADOS
Integraram o estudo 60 participantes, sendo 30 mulheres (19 a 60 anos), com início do consumo de álcool entre 13 e 40 anos, e 30 homens (19 a 72 anos), com início do consumo de álcool entre 9 e 26 anos. Entre ambos, predominou-se o consumo de cerveja, adquirindo a bebida em mercados do próprio bairro (Tabela 1).
O Quadro 1a y 1b apresenta as IC e DSC das participantes do estudo frente as narrativas sobre motivos de ingestão de bebidas alcoólicas e meios para redução do consumo. Inclui também o perfil de uso quantitativo de possíveis influências do teor alcoólico e preço no consumo, além da aquisição de de baixo consumo (A e B). Em contrapartida, outras bebidas alcoólicas na ausência da principal. apontam que o preço da bebida é um fator que Prevalece mulheres com consumo de risco. O influencia seu consumo (A, B e C) e quando não há teor alcoólico é um aspecto que não interfere no sua bebida alcoólica de preferência adquirem outra consumo, especialmente em áreas com predomínio (A, B e C).
Conforme os discursos, entre os motivos para ingerirem as bebidas alcoólicas, destaca-se a socialização/interação, principalmente em áreas que prevalecem o consumo de risco (A e C). Para reduzirem o consumo, elas apontam que é necessário, principalmente a obstinação (A, B e C) e se afastarem de pares que consomem (A e C).
No Quadro 2a y 2b apresenta as IC e DSC dos participantes do estudo, em resposta aos mesmos questionamentos das mulheres. Em ambos os bairros investigados, os homens se mostram bastante envolvidos com o consumo de bebidas alcoólicas, em situação de dependência química (A e C), seguido de uso nocivo (A e B). O teor alcoólico é um fator que influencia o consumo, assim como está mais relacionado àqueles que consomem mais as bebidas (A, B e C), seja como uso nocivo (A e B) ou na condição de dependência (A e C). Os preços das bebidas também foram apontados como fator que influencia o consumo (B e C). Diante da falta da bebida favorita, compram outra para substituir (A, B e C).
Conforme os discursos, entre os principais motivos para ingerirem as bebidas alcoólicas, destaca-se fatores relacionados ao alívio e bem-estar (A, B e C), e para fins de diversão (A e B). Para reduzirem o consumo, apontam que é necessário, principalmente a obstinação (A e B) e se afastarem de pares que consomem (A e C).
Em relação a totalidade dos participantes do estudo (n=60), verificou-se a associação das variáveis de custo-consumo com os resultados do AUDIT (Tabela 2).
Na Tabela 2, observa-se uma forte associação do teor alcoólico (C= 0,481; p= 0,0004) e preço da bebida (C= 0,386; p= 0,0197) com todos os tipos de padrão de uso de álcool identificado entre os participantes do estudo. Já a variável "compra outra bebida" teve moderada associação (c= 0,252; p= 0,251), contudo não apresentou evidência estatística.
DISCUSSÃO
Identificou-se que em todas as regiões (A, B e C) a dependência química esteve mais presente entre os homens do que as mulheres (12:1). Apesar de ter observado também que entre as mulheres há indicativos de progressão do consumo, elas se mantêm mais conscientes quanto aos danos, mesmo sob comportamento de risco. Essa característica não reflete somente uma tendência local, mas se assemelha ao comportamento nacional18 e a de outros países como nos Estados Unidos19, Suécia20) e Austrália21.
No Brasil, nos últimos anos, especificamente em relação ao consumo feminino de cerveja houve um crescimento, enquanto em 2011 38% a consumiam, em 2015 passou para 60%22. Esse cenário ainda se agrava, pois, as mulheres enfrentam julgamentos quer seja em beber23 como em recusar a bebida24, contradições que ao invés de auxiliar no processo decisório sensato frente ao consumo de álcool, as distanciam dos serviços de saúde e apoio profissional25, ampliando os motivos para aderir ou intensificar o consumo, bem como o desconhecimento sobre a gravidade da adição.
Em relação ao custo-consumo de álcool entre as mulheres, pesquisa conduzida em Portugal, verificou que no instante da compra da bebida alcoólica, elas tendem a apresentar dificuldades em diferenciar os diversos tipos disponíveis no mercado, atentando-se exclusivamente ao valor26, o que possivelmente justifica a aquisição de outro tipo de bebida, quando não encontram sua preferida, como apontado no presente estudo.
Em Dourados (MS), estudo indicou que o consumo feminino está relacionado com acesso facilitado à diversidade de bebidas encontradas a preços relativamente baixos, corroborando assim com a premissa de que a oferta é capaz de gerar demanda27. Além disso, as mulheres parecem, por aspectos sociais, não assumirem naturalmente a compra de bebidas e preferem referir baixa frequência no consumo de álcool. Entretanto, estudo realizado em Recife (PE) indica que mesmo aquelas que possuíam baixo consumo, nas ocasiões em que bebiam costumavam consumir dez ou mais doses, tornando mais vulnerável e em risco de sofrer os impactos do álcool, dada a menor tolerância que possuem quando comparado aos homens28.
O teor alcoólico não foi representativo entre a maioria das participantes deste estudo (A e B). Segundo algumas pesquisadoras, o abandono do consumo de bebidas de menor teor alcoólico para graduações maiores ocorre quase exclusivamente na condição de migração do padrão de uso de álcool, em direção à dependência química23, diferentemente dos achados do estudo, em que as mulheres se concentraram entre consumo de risco (A e C) e baixo consumo (A e B).
Mesmo tendo identificado quantitativo correspondente entre preço e consumo (A, B e C), as participantes afirmam que normalmente bebem de forma compartilhada com homens nas festividades, assim, na maioria das vezes, não possuem nenhum custo para consumir a bebida. Segundo algumas pesquisas, esses aspectos do custo-consumo entre as mulheres ainda são influenciados, quando há conhecimento sobre a bebida, os tipos de padrões de consumo29 e/ou quando o consumo ocorre em contexto familiar30,31.
No grupo dos homens, entre os aspectos que implicam no custo-consumo, o teor alcoólico (A, B e C) e o preço (B e C) se corresponderam. Algumas evidências científicas confirmam esses achados, ao revelarem que o consumo de bebidas alcoólicas faz parte do processo de socialização do homem, logo consomem por questões culturais e de gênero32. Normalmente optam por bebidas de menor teor alcoólico e com maior aceitação coletiva, como a cerveja, o que os levam a ingerir em maior quantidade33, tendo como balizador o preço e a disponibilidade do produto34.
Paralelamente, sabe-se que frequentar ambientes de bares e casas noturnas estimula o consumo de bebidas de maior teor alcoólico, como os destilados35, porém esse consumo não foi observado no presente estudo. Um dos motivos para essa distinção, talvez seja, porque a maioria (70%) dos homens (A, B e C) bebe com frequência somente no ambiente doméstico, sustentando o hábito popular de consumo de cerveja.
Estudo realizado em Washington (EUA), não verificou diferenças significativas entre os diversos padrões de consumo quanto aos custos de compra, tamanho da garrafa ou tipo de estabelecimento escolhido, porém constatou que usuários em situação de dependência química escolhem bebida com preço menor, maior conteúdo (ml) e em comércios mais próximo de suas residências16. Esses aspectos corroboram com os achados do estudo em relação aos aspectos de custo-consumo investigados e na constatação que os participantes adquirem suas bebidas em estabelecimentos do próprio bairro onde residem (A, B e C).
Por outro lado, na África entre as políticas que envolvem o custo-consumo, observa-se o apoio ao aumento da idade mínima para beber, ao invés do aumento dos preços36. Essa concepção pode corresponder a mesma dos participantes do presente estudo, pelo fato de terem iniciado o consumo de álcool com uma idade tenra e por apontar estratégias somente para outros e não para si, uma vez que, a alteração de preços, tende a impactar diretamente no seu consumo.
Na Escócia, após a implantação do preço unitário mínimo nas compras de álcool houve uma redução nas compras semanais de 9,5g de álcool por adulto por família, chegando até a redução de 15g, especificamente entre famílias de baixa renda37. Para tanto, pesquisadores russos revelam que quaisquer políticas de redução do consumo devem incluir outras medidas, como por exemplo, restrições ao número de pontos de venda ou seus horários de abertura38. Essa perspectiva, também foi confirmada em estudo realizado na Estónia, apontando que ainda que o preço do álcool seja apenas uma ferramenta da política de redução do consumo, há necessidade de maior atenção à disponibilidade do álcool, na compreensão que as restrições físicas e econômicas dessas bebidas resultem em melhorias e menos ônus para a saúde pública39.
Nos discursos das mulheres, percebeu-se que o consumo ocorre como meio de/para socialização, enquanto entre os homens servem para aliviar as tensões e encontrar bem-estar. No entanto, ambos são convictos que a melhor maneira de reduzir seu consumo é a obstinação. Estudo realizado em Vitória da Conquista (BA) com pessoas de 20 a 59 anos, de ambos os sexos, mas predominantemente mulheres, revelou que o processo de socialização entre amigos tem sido o fator que mais colabora no aumento do consumo de bebidas alcoólicas40. Mesmo sob essa influência e necessidade de afastamento desses bebedores, pesquisador americano aponta que tanto as mulheres como os homens que consomem álcool em excesso, podem ter esse hábito controlado e cessado definitivamente, com obstinação sem necessariamente receber um tratamento específico41. Apesar disso, o aconselhamento, apoio e acompanhamento profissional, torna-se um recurso indispensável para esse processo de recuperação42.
Ainda que neste estudo não tenha avaliado comorbidades associadas ao consumo, pesquisa na Suécia com pacientes em tratamento de artrite reumatoide verificou que o ato de deixar o consumo de álcool esteve relacionado principalmente com a preocupação com a doença. E o apoio familiar e suporte espiritual foram determinantes para alcançar resultados positivos43, semelhante aos achados da pesquisa.
Apesar das singularidades entre os gêneros participantes desse estudo, ao observar toda a amostra (n=60), entre os aspectos de custo-consumo, houve forte associação do teor alcoólico e preço da bebida com todos os tipos de padrão de uso de álcool (AUDIT). Outro estudo menciona essas influências, e aponta também que embora no Brasil se mantenha o consumo de cervejas com teor alcoólico de 3,5 a 5%, a procura por bebidas com menor teor/sem álcool têm crescido, seja em função de preocupações relacionadas à saúde, respeito a legislação (Lei Seca) ou pela conscientização frente ao custo-benefício44.
Semelhante aos achados do estudo, pesquisa nos Estados Unidos com ambos os sexos, verificou que procurar cerveja esteve associado positivamente ao uso recente (>1 vez na última semana) e igualmente àqueles que em uma ocasião possuíam um consumo de alto volume. Entretanto, as associações dos aspectos que determinam o custo-consumo também diferem no contexto da exposição a forças diferentes (exercidas/compreendidas) das políticas de álcool sobre a pessoa e coletividades45.
Essa complexidade na compreensão da dimensão do custo-consumo tanto nacionalmente como internacionalmente também reflete nos desafios colocados aos profissionais no enfrentamento e gestão do cuidado, quer seja na definição de estratégias de prevenção como no estabelecimento do cuidado terapêutico. As experiências exitosas para redução do consumo, como apontado nos estudos já citados, ressaltam que há mecanismos efetivos para interferir e mediar, mas requer um trabalho interdisciplinar e motivação/consciência coletiva, pois os aspectos que determinam o custo-consumo, premissa para fundamentar o planejamento das ações na comunidade, transitam entre os eixos políticos, econômicos, sociais e de saúde.
Nesse ínterim, outro obstáculo vislumbrado é a concepção desse perfil de participantes do estudo, que sabem dos malefícios, conhecem pessoas que foram prejudicadas pelo consumo excessivo de álcool, porém não desejam reduzir ou cessar o consumo. Isso revela um processo de adormecimento do cuidado com a própria saúde, quer seja pela pouca proximidade e atenção dos profissionais frente às fontes influenciadores e modos de vida como pela maior tendência desse grupo em se tornar dependentes químicos, mantendo ou priorizando o consumo em detrimento de iniciativas para a busca por cuidado e recuperação. Assim, preocupações com os aspectos que compõem o custo-consumo e que são importantes elementos para engendrar projetos terapêuticos, são relevadas, talvez porque o alcoolismo não integra a agenda de compromissos dos profissionais, como os que atuam na atenção básica; ou esses aspectos ainda são entendidos pela maioria da sociedade como fatores que não implicam na adicção e em suas consequências.
Este estudo apresentou algumas limitações, destacando a inclusão em uma mesma amostra de grupos com períodos distintos de início e intensificação do consumo. Todavia, sinalizou características e evidências ainda desconhecidas, para a instrumentalização de gestores e profissionais. Novos estudos devem ser implementados, a fim de fornecer subsídios para o cuidado desse perfil populacional, que ainda se esbarra em dificuldades no acesso a serviços de saúde que consigam atender suas demandas ligadas ao consumo de álcool.
CONCLUSÃO
No estudo, predominou mulheres com consumo de risco e homens na condição de dependência química. Para todos os homens, o teor alcoólico influencia o consumo, assim como o preço das bebidas. Entre as mulheres, sendo distinto somente o teor alcoólico, como aspecto que não interfere no custo-consumo. Entre ambos os gêneros, a falta da bebida favorita não é um impeditivo para absterem do consumo de álcool. E, embora apontem que uma das principais estratégias para redução do consumo seja a obstinação, poucos fazem ou se motivam para isso.
Esses achados podem ser utilizados para fundamentar novas políticas públicas junto a essa população, em busca de maior suporte social e compreensão dos usuários, familiares e comunidade sobre o viver em sobriedade e em relação a estilos de vida mais saudáveis. Para isso, é importante que os profissionais dos diversos dispositivos sociais e de saúde incluam em suas atividades planejadas e de rotina intervenções sobre álcool e outras drogas, na perspectiva que haja o reconhecimento de espaço na própria comunidade para o diálogo, acolhimento, cuidado e gerenciamento de necessidades apresentadas.